Título: Inflação volta sem tragédias
Autor: Alberto Tamer
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2006, Economia & Negócios, p. B8

Essa foi uma semana de muitas surpresas, boas ou más, dependendo de cada país e de quem as interpreta. O fato mais importante foi que a economia americana deu os primeiros sinais de desaquecimento, os pedidos às indústrias e a produção no mês passado recuaram, os gastos e a confiança das famílias se retraíram; mais importante é que também o setor de construção civil deu sinais de desaceleração. Como esse setor era o que vinha sustentando o crescimento econômico há mais de quatro anos, a previsão é de que a economia americana iniciou no primeiro trimestre uma fase de desaquecimento. "Há nítidas indicações de que os preços dos imóveis ainda continuarão aumentando mais fortemente do que muitos previam", diz James Lockhart, da Ofheo, empresa de análise de mercado imobiliário.

E no mercado financeiro internacional, ganha força a expectativa de que o Fed poderá dar uma pausa no aumento dos juros, na reunião deste mês, reduzindo o nervosismo excessivo dos que estão mais expostos.

Mas e a inflação? "Este é um relatório que o Fed e os investidores deveriam amar. Mostra que há boa oportunidade para que o Fed decida fazer uma pausa no aumento dos juros dia 29, adiando para agosto", afirma a Bear Sterns US Economics. O número medíocre de criação de empregos em maio, apenas 75 mil, e o ganho de apenas 0,1% por hora trabalhada também indicam uma desaceleração. Mas toda previsão é prematura, pois não se conhecem os números da inflação. Este dado fecha o quadro de análise do Fed e é decisivo. Todos atribuem a desaceleração e a cautela dos consumidores ao aumento excessivo dos preços da gasolina.

INFLAÇÃO PARECE RESSURGIR

E agora o segundo fato mais importante da semana. Parece que a inflação está voltando, 2,7%, em abril, nos 30 países mais desenvolvidos que integram a OCDE. Na Europa, 2,4%, nos EUA, 3,5%. O Eurostat, órgão oficial de estatística da União Européia, registra uma inflação de 2,5% para o bloco. Um esclarecimento dos 3,5% dos EUA. O Fed avalia apenas o "núcleo" da inflação, que não inclui preços voláteis, como energia e alimentos.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também fez uma ampla projeção incluindo os critérios alimentos e energia, e excluindo-os para os demais países. Quais seriam suas inflações? Eis os resultados:

1 - Inflação no bloco de todos os itens, 2,7%, mas só 1,9% sem incluir alimentos e energia;

2 - Inflação nos EUA, todos os itens, 3,5% e sem aqueles dois, 2,3%;

3 - Inflação na UE, com todos os itens, 2,4%, e sem os dois,1,5%.

Resumindo: com ou sem alimentos e energia, a inflação nos países desenvolvidos aumentou de nível e está agora, em média, acima de 2%.

Isso fica dentro da previsão de Ben Bernanke (presidente do Fed ), que considera aceitável um aumento do núcleo variando entre 2% e 2,5%. Ou seja, se os indicadores da OCDE forem válidos, mesmo nos EUA o núcleo da inflação se aproxima dos níveis que levariam o Fed a aumentar as taxas de juros, talvez no dia 29.

Não será surpresa, portanto, se a taxa de juro americana for elevada em mais 0,25 ponto, o que não seria uma catástrofe. Mas ninguém ainda sabe disso.

O cenário da economia mundial é de uma inflação subindo de nível acima de 2% ao ano, os bancos centrais intervindo e a economia americana se desacelerando no próximo trimestre. Afinal, o peso da alta do preço do petróleo é de13,1% no índice de preços da OCDE; de 17,8% nos EUA; e de 11% na UE.

Qual a melhor opção para o Brasil? A economia brasileira poderia suportar mais facilmente um aumento dos juros americanos que uma desaceleração mais forte, ou recessão da economia mundial provocada, por exemplo, por um crescimento dos EUA inferior a 3%.

Mas, para a maioria dos economistas, o que estamos enfrentando é um reajuste da excessiva exuberância dos ganhos do mercado financeiro, e não o início de um caminho para a recessão generalizada. Isso ocorreria se algo mais sério que a elevação dos juros do Fed se, por exemplo, a China e o Japão, que acumulam mais de US$ 1 trilhão de reservas, deixassem de financiar os déficits americanos. Sem as compras dos EUA, que importam US$ 2 trilhões por ano, ninguém teria mercado para seus excedentes de produção. Seria obrigado a criar mercado interno para consumi-los ou ser engolfado pela recessão. Seria um suicídio coletivo que nem EUA, nem Europa ou China pensam em cometer.

Ao contrário, pela primeira vez em quase cinco anos, o PIB dos principais países da eurozona, no primeiro trimestre, cresceu 1,9% comparado com o mesmo período do ano passado. O segundo maior bloco econômico mundial pode estar saindo da estagnação. Se somarmos isso ao retorno do Japão à economia mundial, o crescimento de 10% da China, de 9,3% da Índia e de outros países, parece que estamos diante de um grande reequilíbrio da economia mundial.

Quem está assustado é quem especulou e enriqueceu. Não quem está produzindo para recompor a economia mundial. Até os países da Opep rejeitaram a proposta tresloucada da Venezuela de reduzir a produção para elevar os preços sem limites máximos. Alguns ministros mostraram-se preocupados com os níveis atuais que, se subirem, se voltarão contra eles numa recessão. São fanáticos religiosos, mas não são idiotas...