Título: O camaleônico retrato oficial de Mao
Autor: Jonathan Watts
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2006, Internacional, p. A26

Desde 1949, a pintura colocada na Praça Tiananmen, em Pequim, acompanha mudanças na China e no gosto do PC

David Barboza , The New York Times

Poucas imagens criadas no século passado são tão identificáveis como o retrato oficial de Mao Tsé-tung, que domina a Praça Tiananmen, em Pequim. Há décadas, a pintura a óleo de 4,5m por 6m é um ícone nacional. Esta é a mesma imagem que, nos anos 60 e 70, foi amplamente reproduzida e pendurada nas entradas de milhões de escolas, fábricas e edifícios do governo. Na Revolução Cultural, quando teve início o culto a Mao, parecia que o país inteiro começava a pintar um retrato dele. Se o Pequeno Livro Vermelho era a bíblia dos chineses, o retrato oficial de Mao tornou-se o selo nacional.

Para especialistas, embora pareça que a afeição dos chineses por Mao em parte foi perdida (seu retrato chegou a ser borrifado com tinta durante os protestos pró-democracia de 1989), a imagem dele ainda representa algo indelével e intangível. "É a pintura mais importante da China", diz Wu Hung, professor de história da arte da Universidade de Chicago. "Não é um julgamento artístico. Mas veja quantas pessoas viram esta imagem no século passado."

A figura de Mao pode também ser considerada a primeira e única marca global da China. É uma espécie de George Washington, James Dean e Che Guevara, todos em um; um personagem histórico e popular que continua em sintonia com o gosto atual, mesmo que não seja este o caso do comunismo e do Partido Comunista. Assim, não surpreende o fato de uma violenta discussão ter irrompido na China em maio, quando uma casa de leilões estatal anunciou que iria pôr à venda um velho retrato oficial de Mao, de propriedade de um sino-americano. O retrato, dos anos 50 ou 60, foi pintado por Zhang Zhenshi, um dos primeiros retratistas oficiais de Mao, responsável pela pintura que inspirou a quadro na praça.

Quando as críticas explodiram na internet contra a venda proposta, a Huachen decidiu não mais leiloar a obra, declarando que o governo intervira, "sugerindo" que fosse levada para um museu nacional.

Mas essa controvérsia levantou algumas questões curiosas. Quem, na verdade, pintou o retrato oficial? Por que ele continua na Praça Tiananmen, quando muitos chineses parecem mais ávidos em comprar bolsas Gucci do que um traje ao estilo Mao? Algumas respostas podem ser encontradas no livro de Wu Refazendo Pequim, para quem a imagem de Mao, assim como o Estado socialista, na verdade foi criada pelo comitê.

O retrato de Mao apareceu em 1949, depois que os comunistas assumiram o poder. Inicialmente foi um retrato esboçado às pressas, colocado na praça em fevereiro daquele ano. Depois, em 1º de outubro, quando Mao anunciou, na Praça Tiananmen, a fundação da República Popular da China, seu retrato oficial, baseado em uma foto, mostrou-o com boné octogonal e uma grosseira jaqueta de lã.

O boné não durou muito. Um ano depois, 30 artistas foram chamados para criar uma nova imagem e Zhang, professor do Instituto de Artes de Pequim, foi nomeado seu retratista oficial. De 1950 até quase 1964 Zhang pintou o retrato de Mao, baseando-se em fotos oficiais.

O retrato evoluiu com o tempo. A figura com o boné deu lugar a uma em que Mao está olhando de lado, que foi substituída por outra em que ele olha o público de frente. Um retrato anterior foi criticado porque parecia que Mao olhava as massas como que ignorando-as.

Os historiadores dizem que, nos anos 50 e 60, Zhang criou a imagem padrão, baseado em uma foto de Mao em seu traje cinza. Em 1967, na Revolução Cultural, a pintura recebeu seu toque final, mostrando as duas orelhas de Mao, prova de que ele dava ouvidos a todas as pessoas e não só a um seleto grupo.

Por que a imagem não foi retirada depois da morte de Mao, em 1976? Alguns acreditam que isso sinalizaria a extinção do partido. Para outros, o retrato é uma relíquia cultural. "A imagem tem diferentes significados para diferentes pessoas", diz Wu. "Para o partido, simboliza a criação do país e do próprio partido. Mas, para muitos, simboliza a China, ou evoca memórias pessoais." Esta é uma razão pela qual a imagem oficial de Mao mudou tantas vezes, embora sutilmente.