Título: García é favorito na eleição de hoje
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2006, Internacional, p. A20

Pesquisas dão vantagem de pelo menos 6 pontos a ex-presidente, mas Humala aposta no voto do interior para vencer

Envolvidos numa disputa entre dois candidatos com alto grau de rejeição, os peruanos vão hoje às urnas para escolher o sucessor do presidente Alejandro Toledo. As últimas pesquisas de intenção de voto, divulgadas sexta-feira para a imprensa estrangeira, dão uma vantagem entre 6 e 14 pontos para o ex-presidente Alan García, do Partido Aprista Peruano, sucessor da histórica Aliança Popular Revolucionária Americana (Apra).

O nacionalista Ollanta Humala, da coalizão União pelo Peru, no entanto, mantém a esperança de chegar à presidência, embalado por sua força no interior do país. Humala foi o candidato mais votado no primeiro turno, em 9 de abril, com 30,6% dos votos. García superou a terceira colocada, a conservadora Lourdes Flores, por apenas 0,5% dos votos.

Vença quem vencer, terá uma tarefa árdua pela frente: governar um país cuja economia cresce em média 6% por ano, mas não consegue melhorar significativamente seus indicadores sociais nem reduzir a endêmica miséria. Quase metade da população está abaixo da linha de pobreza e o desemprego e subemprego atingem mais de 60% dos peruanos.

O desafio se amplia por causa da frágil base legislativa dos dois candidatos. Humala contaria com apenas 46 dos 120 membros do Congresso; García, com 36. "Para formar sua base parlamentar, o presidente eleito terá de fazer concessões aos congressistas eleitos pela coalizão de Lourdes (16) e pelo fujimorismo (13)", afirma Juan Paredes, analista e editor de Opinião do jornal de Lima El Comercio.

O dado mais desanimador, na opinião dos analistas políticos peruanos, foi que a campanha eleitoral não trouxe nenhuma proposta concreta para a solução dos problemas do país, mas sim uma intensa troca de insultos e acusações. Em lugar da apresentação de projetos de desenvolvimento, o centro dos debates foi ocupado pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, que declarou abertamente seu apoio a Humala e foi acusado de ingerência nos assuntos internos do Peru.

"Ao entrar no jogo de insultos com Toledo e García, Chávez trouxe mais prejuízos do que lucros para a campanha de Humala", declara ao Estado o professor de ciências políticas da Universidade San Martín, Marcelo Calvo. "Chávez é visto no Peru como alguém que desafia a soberania peruana e pretende usar o país para ampliar sua área de influência na região."

Em meio ao tiroteio verbal, Venezuela e Peru chamaram de volta seus embaixadores em Lima e Caracas. Humala chegou a pedir publicamente a Chávez que freasse seus ataques contra Toledo e García, mas nem isso calou o venezuelano. Em meio à série de denúncias da campanha, assessores apristas afirmaram que Humala recebeu dinheiro da Venezuela para financiar seus gastos eleitorais.

"Neste 4 de junho, não se suicide", diz a capa da revista semanal Caretas, em crítica aos dois candidatos. "Desgraçadamente, os peruanos estão diante de uma escolha entre um candidato que assegura não ser o mesmo de 20 anos atrás e outro que garante não ser o mesmo de 10 semanas atrás", ironiza, em entrevista à Caretas, o ex-embaixador dos EUA em Lima, Dennis Jett. Ele se refere ao desastroso governo de García, entre 1985 e 1990, e ao discurso "revolucionário" de Humala, antes de moderar-se para tentar conquistar votos do centro.

A violência também esteve presente na campanha. Há dez dias, um choque entre militantes apristas e nacionalistas em Cuzco, no sul do país, deixou como saldo três feridos a bala. Os partidários de Humala também acusam os de García de terem espancado um de seus companheiros na madrugada de quinta-feira em Ayacucho, no centro-sul. Os incidentes causam arrepios na população peruana, que ainda tem na memória a campanha de terror do grupo maoísta Sendero Luminoso - responsável por mais de 60 mil mortes nos anos 80, segundo uma comissão oficial.

Para as eleições de hoje, mais de 80 mil policiais e soldados foram mobilizados para garantir a segurança em todas as regiões do Peru. Os dois candidatos se acusaram de ter planos para tumultuar a eleição no interior. Os rumores de que grupos violentos podem tentar sabotar a votação foram alimentados até mesmo pelo presidente Toledo. No domingo passado, Toledo alertou para a possível presença de "agitadores pagos" em algumas regiões do país, insinuando a participação de agentes de inteligência da Venezuela no suposto complô de desestabilização.