Título: Massaranduba, onde o Brasil encontra o Primeiro Mundo
Autor: Ricardo Kotscho
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2006, Nacional, p. A14

Cidade catarinense ocupa, com seus "colonos-operários", o 3.º lugar no ranking de qualidade de vida no País

Do aeroporto de Navegantes, no litoral norte de Santa Catarina, a Massaranduba, cidade de 13 mil habitantes, a 178 quilômetros de Florianópolis, leva-se apenas 40 minutos de carro em uma agradável viagem por estradas muito bem conservadas que nos transportam a um Brasil de Primeiro Mundo. É lá que encontramos os "colonos-operários", como são chamados os lavradores que, sem deixar de cultivar suas terras, trabalham também nas indústrias espalhadas pela zona rural da região, dividindo espaço com as plantações de arroz, banana e palmeira-real, da qual se extrai palmito de excelente qualidade.

O casamento bem-sucedido entre o trabalho simultâneo na indústria e na agricultura, numa região de minifúndios, coloca Massaranduba em terceiro lugar no ranking de qualidade de vida no País medido pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de acordo com os indicadores de saúde, educação e longevidade.

Às 10 da manhã o engenheiro agrônomo Amantino Dall'Agnol, de 65 anos, já está à nossa espera na bucólica sede da prefeitura de Massaranduba construída em estilo eixamel, uma construção de alvenaria com estrutura aparente de madeira, bem característica do lugar. Diretor de Agricultura e Meio Ambiente, o gaúcho Dall'Agnol, que veio parar na cidade há 40 anos, logo depois de se formar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, conhece a saga dos colonos-operários desde o começo. Vai ser ele nosso guia para descobrirmos a receita de fartura desta pequena cidade com nome de madeira resistente, onde não falta comida na mesa nem trabalho para todos.

"Não há milagre", ensina, enquanto recua no tempo para dar o mapa da mina. Mas explica que há um mestre que lhe ensinou o caminho e ajudou a transformar Santa Catarina num dos melhores lugares para se trabalhar e viver sem sair do Brasil. O nome dele é Glauco Olinger, um agrônomo hoje com 84 anos, que foi quem recebeu e preparou em Florianópolis, no centro de treinamento da Associação de Crédito e Assistência Rural de Santa Catarina (Acaresc) - uma empresa de economia mista - o grupo de 20 recém-formados vindos da UFRGS com Dall'Agnol.

Quando Dall'Agnol chegou a Massaranduba, no começo de 1966, a bordo de um Jeep Willys novinho em folha cedido pela Acaresc, depois de meio dia de viagem por estradas de barro, encontrou apenas duas dúzias de casas. Havia então cerca de 1.500 famílias de colonos descendentes de alemães, italianos e poloneses, que vieram para cá no fim do século 19 e ocuparam pequenas propriedades de 20 hectares em média, espalhadas por 15 comunidades rurais. Na sua primeira temporada de sete anos em Massaranduba, ele ajudou a criar o sindicato rural e a cooperativa de produtores de arroz. Para ele estes foram os principais instrumentos que levaram ao desenvolvimento econômico da região.

CRESCIMENTO

Depois de rodar por vários outros municípios do interior, sempre trabalhando em extensão rural, o agrônomo gaúcho voltou há cinco anos à cidade para ajudar seu concunhado, o prefeito Dávio Leu (PFL), 58 anos, a administrar Massaranduba pela quarta vez. "Com o andar dos tempos", como ele diz, chegaram as indústrias de plásticos, de implementos agrícolas, motores elétricos, metalúrgicas, tecelagens e fábricas de confecções - mais de 50 ao todo. Ao mesmo tempo em que a cultura do arroz era mecanizada, as indústrias que se instalavam na região atraíam a mão-de-obra excedente. Até hoje, 60% da população ainda vive e trabalha no meio rural.

Como as famílias do empresário Silvério Kuszkowski e da operária Rosa Voznica. Vizinhas no distrito rural de Ribeirão da Lagoa desde que os primeiros colonos europeus começaram a chegar à região por volta de 1880, menos de 500 metros separam uma casa da outra. E nem parecem casas construídas nos ermos de uma área rural, tamanho o conforto em que as famílias vivem, com dois carros na garagem de cada uma. A única diferença é que a casa de Silvério tem uma piscina e seus carros são importados. Em comum, há o fato de que ambas as famílias continuam cultivando suas lavouras de arroz.

Logo após o almoço, cada um pega seu carro e vai pela estrada de terra até o pátio da Sivalski Indústria Têxtil Ltda., onde os dois trabalham, no Braço Campinha, a dez minutos dali. Silvério, 42 anos, é o dono e vai para sua sala do primeiro andar, de onde comanda a fábrica de confecções criada há uma década, dona da grife Gata Bakana, cujas vendas crescem 40% ao ano, com faturamento de R$ 20 milhões previsto para 2006. Rosa, 59 anos, vai ocupar seu posto de costureira de peças-piloto no galpão da fábrica, onde ganha R$ 1.000 por mês como líder de setor.

Há apenas 15 anos, Silvério era um plantador de arroz conformado em seguir a mesma vidinha pacata do pai, filho de imigrantes poloneses, quando o acaso lhe arrumou o primeiro emprego. Foi trabalhar como operador de colheitadeira, que um vizinho mais velho, Írio Bogo, tinha acabado de comprar. O próprio dono sofrera um acidente quando tentou operar a máquina e acabou atropelado por ela. Sem nenhuma experiência anterior, Silvério resolveu arriscar a sorte. "Senti um calafrio na espinha quando entrei na arrozeira pela primeira vez olhando para aquela plataforma larga da máquina lá na frente." Durante os seis anos seguintes, ele se dividiria entre a plantação de arroz da família e a colheita mecanizada na terra dos Bogo. Até que um dia, sua mulher, Silvana, de 40 anos, professora que ganhava a vida trabalhando como gerente de poupança de um banco, começou a falar em abrir uma pequena confecção.

Trabalhando 12 horas por dia em média, com dez minutos de intervalo para o almoço, só parando no dia de Natal e na Sexta-Feira Santa, Silvério e a mulher, conseguiram juntar o "capital inicial" de R$ 5 mil. Em sociedade com um irmão de Silvana, instalaram a confecção com duas máquinas de costura. Em janeiro de 1997 contrataram a primeira funcionária registrada, terminaram o ano com mais duas e comemoraram comendo cheeseburger com cuba libre numa lanchonete da cidade. A indústria tem hoje 130 funcionários registrados e conta com mais de 250 terceirizados.

Quando começou a faltar mão de obra, "importaram" trabalhadores do Paraná e até de São Paulo. "Aqui em Massaranduba, se eu demitir uma funcionária agora, ela arruma outro emprego antes de chegar em casa", conta Silvério, que só entrou num avião pela primeira vez com 35 anos para vender roupas em São Paulo e, agora, freqüenta com a mulher os desfiles de moda de Nova York e Paris.

Desde os 13 anos, quando foi trabalhar numa fábrica de camisas após a morte do pai, Rosa Voznica se reveza no papel de colono, que ajuda a cuidar da criação e das plantações da família, e a de operária com carteira assinada e tudo. O filho Leverci e a nora Solange seguiram seus passos e todos os dias pegam carona em seu Corsa para trabalhar na fábrica, mas o marido, Pedro, de 64 anos, continua só na roça. "Quando eu era novo, não me animei a trabalhar na fábrica; agora que estou velho, ninguém me quer mais..." brinca ele. Em sua propriedade de 10 hectares, os Voznica plantam e criam um pouco de tudo e se orgulham de servir à mesa quase somente produtos da própria terra.

O arroz que eles e os vizinhos produzem vai para os 18 portentosos silos da Cooperativa Juriti, com capacidade para 44 mil toneladas, instalados bem na entrada da cidade. Funcionário da cooperativa desde sua fundação, em 1968, o advogado Silvério Orzechowski, de 55 anos, ajudou a transformar Massaranduba na "capital catarinense do arroz". Hoje ele é o supervisor da Juriti, que reúne 795 pequenos produtores de arroz, cinco médios e nenhum grande. A cooperativa tornou-se a maior empresa da cidade, com faturamento anual em torno de R$ 60 milhões. Uma das razões do sucesso do empreendimento é que Massaranduba fica numa região em que se colhe o arroz na primeira quinzena de janeiro, enquanto no restante do País isso só ocorre em março. Como a colheita é feita no pico da entressafra, o preço vai lá para cima.

PREÇOS

A cada quatro anos, segundo suas contas, o preço da saca de 50 quilos atinge um pico de preço, como aconteceu em 2003, quando atingiu os R$ 38. De lá para cá, veio caindo, chegando este ano a menos da metade desse valor (está agora em torno de R$ 15). "Quando o preço está bom, todo mundo planta, há uma superprodução, e o preço cai. Depois, acontece o contrário, começa tudo de novo. Pode escrever aí: em 2007, o arroz vai de novo pegar um preço bem alto."

Esta é a esperança até hoje meio desconfiada de Tarcísio Wenk, de 33 anos, um neto de alemães que arrenda as terras da Igreja do Sagrado Coração de Jesus onde planta arroz em volta do cemitério rural de Guarani Mirim, bem em frente à Danceteria Mirage, o inferninho mais animado da cidade. "Com esse preço do jeito que vai, estou trabalhando de graça para os padres", queixa-se ele. Como arrendatário, de cada dez sacas que colhe com máquina e coloca sobre o caminhão, quatro ele tem de entregar ao Instituto Padre Rodolfo mantido pela igreja.

Exemplo de longevidade, outra característica da cidade, são os dois animados e inseparáveis amigos Scepan Prawutzki, de 77 anos, filho de russos e poloneses, e o carroceiro aposentado Felipe Odnasky, de 82. Todas as tardes, eles se encontram nos bancos de madeira em frente à mercearia do Estefano e ficam fazendo troças um com o outro. "Se tem muito velho aqui? Ah, se tem... Eu quero ver o que vão fazer com os velhos de Massaranduba, já tem demais aqui, tá cheio...", diverte-se Prawutzki, que ganha dois salários mínimos de aposentadoria e ainda trabalha na roça, onde ajuda um genro a descascar arroz e fazer fubá. "Aqui é bom demais, o atendimento médico é jóia. Tem até remédio de graça para os velhos", vai contando, para irritação do amigo Odnasky, que não concorda com nada do que ele fala. "Você só ganha remédio porque é amigo do prefeito...", desdenha.