Título: Nova lei faz candidato reaprender a pedir voto
Autor: Christiane Samarco, , Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2006, Nacional, p. A6

Sem brindes e showmícios, campanha deve ter fiscalização mais rígida; PSDB aposta em cautela e recibos, e PT usa criatividade e seus símbolos

As novas regras eleitorais que restringem os gastos de campanha e impõem maior rigor na prestação de contas à Justiça instalaram a paranóia nos partidos e nos candidatos, que terão de reaprender a pedir votos sem distribuição de brindes, como camisetas e bonés, e sem showmícios, a febre das últimas eleições.

Na pré-campanha presidencial do tucano Geraldo Alckmin, a palavra de ordem é cautela, de preferência com recibo. Quando o presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), pôs seu jatinho Citation à disposição do candidato no último fim de semana, para que viajasse de São Paulo a Navegantes (SC), Alckmin pediu que a cortesia fosse transformada em operação comercial.

Preocupado em evitar qualquer dúvida que possa ser questionada pela Justiça Eleitoral ou por adversários, o candidato pediu a Tasso que "legalizasse" o empréstimo. A oferta informal, que sempre foi tratada como simples camaradagem em outras campanhas, acabou transformada em negócio do presidente do PSDB com seu próprio partido. O senador fez um documento para registrar a "doação de serviço" da hora de vôo do jato, a preço de mercado. "Todo o cuidado é pouco", justificou Alckmin.

Por enquanto, esse tipo de preocupação não chegou à campanha pela reeleição do presidente Lula. Como ele não formalizou a candidatura, fica à vontade para viajar incansavelmente pelo País em visitas oficiais de presidente, sem qualquer custo para o PT.

Já no PSDB, qualquer economia é bem-vinda. Aluguel de helicóptero, nem pensar. Em São Paulo, os compromissos e os deslocamentos do candidato para o aeroporto, na ida e na volta, são feitos de táxi. A ordem é chamar "Seu Gomes", o ex-policial que serviu ao governador Mário Covas por 18 anos, virou taxista e agora dirige sua Palio Weekend branca para o "Dr. Geraldo".

Um temporal que inundou a Marginal do Tietê em 11 de maio custou ao candidato duas horas de aflição dentro do táxi do Seu Gomes, um vôo perdido por conta do atraso e três horas de espera do governador da Bahia, Paulo Souto, e do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) no aeroporto de Salvador. Sem saber o que dizer à comitiva que aguardava o tucano, a assessoria do candidato debitou o imprevisto na conta da crise da Varig. Temerosos de aborrecer ACM, os assessores apressaram-se em explicar que o motivo do atraso foi o cancelamento do vôo.

No PT, combalido pelos escândalos do mensalão, do caixa 2, da quebra ilegal de sigilo bancário, dos dólares na cueca, entre tantos outros, o esforço será voltar aos velhos tempos de promover a sigla e a estrela.

"Como o nome e a estrela do PT são marcas fortes, vamos investir no voto na legenda. Ninguém conhece tucano, mas todos sabem que a estrela é o símbolo do PT", diz o secretário-adjunto de Comunicação, Francisco Campos. "Esta será a campanha da criatividade."

Para o petista, não é tão simples se adequar às normas deste ano. "O PT sempre teve muita animação nas campanhas, então as restrições atrapalham um pouco." Além da proibição de showmícios, está vetada a participação de artistas, pagos ou não, nos programas de TV, pedindo votos para o candidato. A solução encontrada será a gravação de encontros dos petistas com os famosos e exibição de cenas das reuniões, sem declarações diretas dos artistas. "Não pode proibir o candidato de se reunir. O que não pode é fazer show", diz Campos.

Entre os tucanos, Alckmin ainda insiste na pregação de uma "campanha franciscana". Na correria das viagens, faz questão de manter a simplicidade e não hesita em almoçar no Mc Donald's para ganhar tempo, ou apelar para o cachorro-quente de carrocinha, como fez em Navegantes.

Mas já há movimentos dos coordenadores e conselheiros políticos para que ele passe a usar um jatinho, por exemplo, evitando tumultuar a agenda. Argumentam, também, que o candidato que chegar com muita simplicidade em avião de carreira, carregando a própria mala, pode transmitir a impressão de debilidade da candidatura.

CONTAS

Embora o próprio Congresso tenha considerado as mudanças na legislação uma modesta minirreforma, os tucanos avaliam que, na prática, tudo será diferente. O que vai fazer a diferença, apostam, é o clima de vigilância e desconfiança que se criou depois das CPIs que investigaram corrupção no governo e um sofisticado esquema de caixa 2 nas campanhas do PT.

"Vamos ter, compulsoriamente, uma campanha muito mais pobre, mais lógica, mais racional e muito mais austera do que as anteriores", resume o coordenador-geral da candidatura tucana, senador Sérgio Guerra (PSDB-PE). Na eleição de 2002, Lula declarou gastos de R$ 39 milhões e José Serra, do PSDB, prestou contas de uma despesa global de R$ 34 milhões. Ninguém acredita.

Na conta dos adversários de cada um, Lula teria gasto mais de R$ 100 milhões e Serra não teria ficado muito atrás. Agora, no entanto, a previsão da coordenação da campanha tucana é de que o partido vai mesmo gastar algo entre R$ 30 e R$ 40 milhões. Tudo com nota e recibo.

Doação, repetem os tucanos, só as oficiais. Outra mudança deste ano será a prestação de contas durante a campanha. Os comitês financeiros terão de apresentar informações sobre arrecadação e despesas das campanhas nos dias 6 de agosto, 6 de setembro e depois das eleições. A partir de agora, haverá duas prestações de contas por ano, em vez de uma, mesmo nos períodos não eleitorais.

O entendimento geral é de que o Ministério Público, a Justiça Eleitoral, os doadores, os adversários e a sociedade estarão muito mais vigilantes no que se refere a gastos.