Título: Marola em maré mansa
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2006, Nacional, p. A6

O presidente Luiz Inácio da Silva não agüentou uma semana. Bastaram três pesquisas de opinião confirmando seu favoritismo na eleição para ele deixar de lado o personagem "Lulinha paz e amor", cuja ressurreição havia anunciado dias atrás.

Absolutamente convicto de que é imbatível, começou a cantar vitória de véspera; certo de que é também inimputável, convidou a oposição a pôr os escândalos de corrupção envolvendo seu governo, seu partido e seus aliados no centro dos debates da eleição.

De um presidente da República seria de se esperar a condenação dos malfeitos, a defesa da correção no futuro e não uma manifestação de orgulho da própria capacidade de enfrentar a reedição de toda a crise que desmoralizou o PT, deixou perplexo o País, dissolveu valores e consolidou a desfaçatez como padrão de conduta.

De um candidato amplamente favorito seria de se esperar uma atitude sóbria, fria, calculadamente serena para não dar ao adversário perdedor a oportunidade de apresentar armas e com ele se ombrear no bate-boca.

De um homem preparado para o sucesso seria de se esperar habilidade para administrar a bonança com humildade, sem abrir flancos ao inimigo. Ainda mais quando o oponente vive momentos de aflição, desânimo, atordoamento e divisão em sua base.

Em menos de 48 horas, Lula conseguiu o que parecia até então impossível: suspendeu a briga na oposição e abriu para Geraldo Alckmin um precioso espaço de visibilidade nacional. Já na sexta-feira, o tucano dividia com o presidente em condições quase de igualdade o noticiário sobre a campanha.

O PFL suspendeu temporariamente seu ofício de atirar para dentro, os tucanos acordaram de sua letargia e saíram braços dados em campo nos ataques ao presidente. Animaram-se, acordados pelo próprio Lula.

Foram todos contra um, porque ao presidente do PT, Ricardo Berzoini, e ao ministro Tarso Genro ninguém deu atenção. Alckmin inclusive avisou que não fala com o segundo time. "Só respondo ao Lula", disse, atuando conforme a deixa dada pelo candidato favorito, de totalmente imprudente favoritismo.

E para quê? Para fazer Alckmin perder as estribeiras, insultá-lo e, assim, atrair a ira dos eleitores que majoritariamente querem a reeleição? Não pode ser. Primeiro, porque o tucano ainda nem encontrou as estribeiras para poder perdê-las. Segundo, porque já está perdendo e, portanto, só tem a ganhar, seja qual for seu movimento. Terceiro, porque Lula perdeu, com a crise, quase toda a sua tropa de defesa, está praticamente na dependência de si mesmo e quanto mais flancos desguarnecer, mais lacunas terá de preencher.

Quanto mais alto falar, mais gritos será obrigado a dar. E isso tudo sem a menor necessidade. Por pura compulsão ególatra de fazer marola em maré mansa.

Jurisprudência

O pedido do governo para a Justiça Eleitoral "autorizar" o uso das logomarcas "Brasil, um país de todos" e dos vários programas oficiais no período de julho a outubro, quando a lei veda a veiculação de publicidade institucional, é só uma tentativa de fugir à regra com a chancela do TSE.

A legislação permite exceções. Mas, se for examinada e levada em conta a experiência anterior de reeleição presidencial, o TSE terá dificuldade para justificar a autorização.

Em 1998, o governo Fernando Henrique teve de retirar de cena por três meses a logomarca "Brasil em ação". Só no Ministério dos Transportes foram repostas ou pintadas 5 mil placas em obras de todo o País.

Como o atual governo está fazendo um exame detido da organização do governo FH no período pré-eleitoral, de duas, uma: ou não fez a análise direito, ou tem informação de bastidor de que o TSE pode dar agora uma interpretação favorável à liberação da propaganda.

O governo argumenta que o uso das marcas não estabelece conexão com a candidatura do presidente Lula e diz que elas são "imprescindíveis ao reconhecimento dos programas por seus usuários".

Como as marcas existem há três anos e meio e não poderão ser usadas apenas por três meses, só se forem imprescindíveis ao reconhecimento do eleitorado.