Título: Gasto salarial na Justiça sobe mais de 100% acima da inflação em 10 anos
Autor: Lu Aiko Otta, , Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2006, Nacional, p. A4

No Ministério Público salto foi de 120%; no Congresso, despesa cresceu 63%, e no Executivo, apenas 2%

Levantamento feito pelo Estado com base em dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) mostra que, na última década, houve uma farra salarial na Justiça e no Ministério Público. O gasto com salários nos tribunais federais aumentou 103% acima da inflação, enquanto no Ministério Público o salto chega a 120%. As despesas com pessoal do Legislativo também tiveram um bom impulso e cresceram 63% em termos reais. Em comparação, a folha do Executivo cresceu apenas 2%.

Parte desse aumento se explica pela expansão do número de servidores. Enquanto o Executivo passou na última década por um enxugamento de seu quadro de pessoal, a Justiça está empregando 22.489 pessoas a mais, o Senado e a Câmara, outras 6.375, e o Ministério Público, 2.841. Além disso, esses poderes têm independência para aumentar seus salários, pois os limites a eles impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal são bastante generosos.

"Esse é um problema que vem desde a Constituição de 1988", diz o economista e consultor Raul Velloso. "Judiciário, Legislativo e Ministério Público ganharam autonomia financeira, o que quer dizer que eles podem contratar e dar aumento como quiserem." Ao Executivo, resta pagar a fatura. A margem para contestação é pequena, pois traz o risco de uma crise entre Poderes.

SEM MARGEM

Pressionado pelo crescimento nos gastos dos Poderes autônomos e pela necessidade de economizar recursos para o pagamento da dívida pública, o governo teve pouca margem para ampliar seus próprios salários. Pelos cálculos de Velloso, em 1995 os salários do Judiciário, do Legislativo e do Ministério Público eram 11,9% de toda a folha federal. Em 2005, tinham avançado para 20,1%.

Os números do Siafi mostram que, durante o governo FHC, as despesas de pessoal do Judiciário chegaram a crescer 90% acima da inflação, enquanto as do Legislativo se expandiram 36%, e as do Executivo, 6%. Já na gestão do presidente Lula, é o Congresso que obteve o maior ganho real (20%), principalmente no Senado, onde as despesas cresceram 46% em três anos.

Preocupado com essa escalada, Lula convidou os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), e do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie Northfleet, para uma reunião na última terça-feira. Ele propôs um plano para reduzir as diferenças de salário entre funcionários que exercem funções semelhantes, mas trabalham em Poderes diferentes.

O presidente da República tem um salário de R$ 8.885,33, enquanto os chefes do Judiciário ganham quase o triplo: R$ 24.500. Um juiz ou procurador recém-concursado ganha R$ 19.955,40. E a partir de janeiro deverá ganhar R$ 20.953,17, com o reajuste aprovado na quinta-feira pelo STF.

Já um professor universitário, que estuda quatro anos para adquirir um título de doutor (dispensado dos juízes), começa a carreira ganhando R$ 3.363,66. Isso se tiver dedicação exclusiva à universidade. No fim da carreira, com todas as promoções, esse professor passa a ganhar R$ 7.247,75.

PRESSÕES

Por essas discrepâncias, há uma enorme pressão no Executivo por aumento de salário. A mobilização nos bastidores para aumentar os salários antes de 1º de julho, prazo imposto pela Lei Eleitoral, é tão grande que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, chegou a se queixar de estar sendo "sitiado" pela demanda de reajuste. Ele dispõe de R$ 5,1 bilhões para contentar 1,2 milhão de funcionários do Executivo. É muito dinheiro, mas o plano de reestruturação de carreiras do Judiciário, que tramita no Senado, custará praticamente a mesma coisa - R$ 5,2 bilhões. Detalhe: ele beneficia pouco mais de 109 mil funcionários.

Questionado na sexta-feira sobre os números da expansão dos gastos com pessoal, o presidente em exercício do Supremo, ministro Gilmar Mendes, não quis fazer comentários. Técnicos da área lembraram, porém, que o aumento na folha salarial foi provocado pelo grande número de contratações ocorrido a partir da reestruturação do sistema judiciário determinado pela Constituição de 1988. Eles alegam, ainda, que suas propostas de reajuste passam pela aprovação do Congresso.

O procurador-geral da República em exercício, Roberto Gurgel, informou por sua assessoria que os reajustes do Ministério Público se equiparam aos do Poder Judiciário. As diferenças na expansão das despesas de pessoal se devem, provavelmente, ao maior crescimento no número de servidores e a passivos judiciais.