Título: Quebrando o tabu fiscal
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2006, Notas e Informações, p. A3

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, quebrou um tabu ao retomar a discussão da política fiscal de longo prazo. Será preciso reduzir o peso dos impostos e dos gastos correntes do governo, como parte de uma indispensável pauta de reformas, afirmou. Se isso ocorrer, pode-se pensar num crescimento econômico de 4% ao ano durante 10 anos, disse o ministro em São Paulo, onde participou da entrega dos prêmios Destaque AE Empresas, da Agência Estado, na quinta-feira.

O ministro Paulo Bernardo havia defendido há meses, com seu colega da Fazenda, Antonio Palocci, a adoção de um plano de longo prazo para arrumação das contas de governo. Haveria um esforço para reduzir a zero, em cerca de quatro anos, o déficit público. Seria o caminho mais seguro para a redução dos juros e para a liberação dos meios necessários ao investimento governamental.

O assunto foi politicamente liquidado, em pouco tempo, graças a uma reação comandada pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Entre seus liderados, nesse momento, estava o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Guido Mantega, escalado pouco tempo depois para assumir o Ministério da Fazenda.

A proposta era incompatível com a intenção de gastança no ano de eleições. Mas a orientação pós-Palocci também não seria favorável a uma política mais efetiva de arrumação das contas públicas. Nesta altura, a mera retomada do assunto é uma iniciativa digna de registro, embora o ministro tenha sido cauteloso e visivelmente moderado em suas sugestões.

Previsibilidade foi o mote do ministro Paulo Bernardo. O compromisso com uma arrumação mais ambiciosa das contas públicas dará às empresas, segundo ele, o horizonte e a tranqüilidade necessários para investir e cuidar do longo prazo.

É preciso, afirmou, construir uma política fiscal com horizonte de 8 a 10 anos, para garantir a redução da carga tributária. Conter a evolução do gasto corrente será uma condição óbvia para a diminuição do peso dos impostos,

Segundo o ministro, será necessário transformar em permanente a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), atualmente com alíquota de 0,38%. O governo precisa dessa receita, afirmou, mas a proposta inclui a redução progressiva da alíquota. De acordo com seu argumento, o tributo se converterá, afinal, num instrumento de controle.

A idéia é perigosa. Originada de um imposto provisório criado em 1994, essa contribuição foi renovada sempre com a mesma justificativa: sua receita é "por enquanto" indispensável. Essa desculpa será aplicável à manutenção da alíquota, se o gasto público não for contido.

Melhor mesmo é pensar com seriedade na reforma tributária, tratada até agora de forma parcial, e mudar a qualidade dos impostos. Se todas as grandes questões fiscais e tributárias forem atacadas de forma conseqüente, também a proposta de tornar permanente a Desvinculação de Receitas Tributárias (DRU) será dispensável. A DRU, também adotada como solução provisória, mas sempre renovada, dá ao governo uma liberdade pouco maior para aplicação de verbas.

Mas a solução mais efetiva será enfrentar para valer a mudança constitucional necessária para eliminar, ou para reduzir drasticamente, as vinculações em vigor. Seria parte de uma ação mais ambiciosa de revisão de todo o processo orçamentário, hoje muito ineficiente e sujeito a graves distorções.

Uma rediscussão do sistema previdenciário deveria ser, segundo o ministro, parte da política fiscal de longo prazo. Mas seu colega da Fazenda tem mostrado resistência a essa idéia.

Curiosamente, o ministro de Relações Institucionais, Tarso Genro, defendeu há pouco tempo reformas da Previdência e da administração pública. Essa atitude é incompatível com as atitudes dominantes no governo, como observou em artigo no Estado de sexta-feira o professor Rogério Werneck. Não deve ser mais que um gesto de conveniência eleitoral. Seria ingenuidade, segundo o economista, "acreditar que a guinada econômica que o PT tem em mente é para o lado certo". O comentário é provavelmente correto e a iniciativa do ministro Paulo Bernardo não deve passar, por enquanto, de um louvável ato isolado. Mas é preciso continuar e ampliar esse debate.