Título: Dólar fraco faz a indústria patinar
Autor: Marcelo Rehder
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2006, Economia & Negócios, p. B1

A indústria ainda não recuperou o fôlego perdido no segundo semestre do ano passado, quando os efeitos da alta dos juros e da desaceleração das exportações derrubaram a produção. Estudo da consultoria MB Associados indica que o setor deverá crescer só 2,4% nos seis primeiros meses do ano em relação ao mesmo período de 2005.

Para piorar ainda mais a situação, essa recuperação será puxada pelo aumento da produção ligada a petróleo e commodities minerais em geral e de bens intensivos em capital, como máquinas, eletroeletrônicos e papel e celulose, que não geram muitos empregos nem alavancam o consumo doméstico. Já o conjunto de segmentos que empregam maciçamente mão-de-obra, como têxteis, vestuário, calçados, mobiliário e alimentos vai fechar o semestre com queda na produção.

Essa tendência já pode ser observada nos dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De janeiro a abril, a produção dos setores intensivos em mão-de-obra acumula queda de 0,1% em relação a igual período do ano passado. Na mesma comparação, a produção dos ramos intensivos em capital cresceu 2,3% e a de petróleo e commodities teve alta de 7,5%.

"A indústria não tem conseguido acertar o passo por causa principalmente da valorização do real frente ao dólar, cujos efeitos negativos são a redução do ritmo de crescimento do volume de produtos exportados e a aceleração do processo de substituição de produção local por importações", diz Sérgio Vale, economista da MBA responsável pelo estudo.

Segundo ele, a tendência para o segundo semestre continua sendo de aumento expressivo de 6,4% na produção em relação à segunda metade de 2005. "O problema é que boa parte dessa alta reflete apenas um efeito estatístico, já que a base de comparação é muito baixa." Com isso, a produção deverá crescer 4,5% este ano, prevê o economista. Nesse cenário, a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) do País em 2006 é estimada em 3,5%.

Nos cinco primeiros meses do ano, a quantidade de manufaturados brasileiros exportados cresceu apenas 3,2% comparado a igual período do ano passado, segundo índice da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). Em 2005, na mesma comparação, esse número chegava a 19,4%. No lado das importações, o aumento da quantidade atingiu 13,2%, impulsionado pelos bens de consumo duráveis, com alta de 67,5%. "Esse número é um dos melhores indicadores dos efeitos do câmbio. "

A Cerâmica Santa Terezinha, fabricante de equipamentos para transmissão e distribuição de energia, aumentou em até 40% os preços de exportação para compensar a valorização do real . Conseguiu manter o faturamento,mas a quantidade de produtos vendidos no exterior caiu proporcionalmente. "Isso é muito perigoso, porque se a demanda mundial se retrair, os preços tenderão a cair", diz o diretor-superintendente, Humberto Barbato.

A Santa Terezinha também passou a importar da China 30 das 50 toneladas de ferro fundido que comprava por mês de um fornecedor nacional.

Além de ter de enfrentar a concorrência acirrada das mercadorias estrangeiras que ficaram mais baratas por causa do câmbio, o produto nacional não consegue ganhar muito mais espaço no mercado doméstico porque a renda do brasileiro continua baixa, apesar do aumento de 5,5% na massa de rendimentos previsto para este ano. Boa parte do crescimento se deve à elevação de R$ 50 no valor do salário mínimo e a programas sociais como o Bolsa Família.

Os fabricantes de móveis já sentiram isso no caixa. A expectativa para o semestre era faturar 15% mais que em igual período de 2005. Mas, até agora, o resultado não passou do zero a zero. O faturamento não cresceu porque os produtos mais vendidos têm sido os populares.

" A explicação é simples: o poder aquisitivo dos consumidores que ganham menos melhorou, ao mesmo tempo em que a classe média passou a comprar mais móveis baratos por ter perdido renda", diz Domingos Sávio Rigoni, presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário. Até abril, as exportações de móveis já acumulavam queda de 15%.