Título: Embaixadores amadores dos EUA
Autor: Thomas J. Raleigh
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/06/2006, Internacional, p. A15

Uma lição simples, mas importante que o governo dos EUA deveria ter aprendido com o furacão Katrina é que a competência e as qualificações importam. Coordenar os trabalhos de resgate depois de um desastre natural, dirigir um banco central, comandar um porta-aviões - estas não são tarefas para amadores.

O mesmo deveria aplicar-se ao desafio da liderança de uma missão diplomática. Apesar da complexidade e das exigências do trabalho, no entanto, pessoas nomeadas por questões políticas chefiam um terço das embaixadas americanas desde o governo Kennedy. Ao longo dos anos, é claro, muitos desses nomeados se mostraram qualificados por seu status de especialistas em política externa, estadistas experientes ou líderes militares. Mas a maioria carece da experiência necessária.

Atualmente, 49 dos 171 embaixadores - 28% - são nomeações políticas, pessoas com diversas formações. Só 18 dos 49 nomeados pelo presidente George W. Bush - 36% - parecem ter o conhecimento, a formação ou a influência política que os tornariam excepcionalmente qualificados.

Nas capitais dos países que fazem parte do Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), questões bilaterais e multilaterais urgentes atingem um ponto crítico regularmente: as negociações nucleares entre a União Européia e o Irã, as tensões entre a Rússia e outros membros do G8 e os temas relacionados ao terrorismo - formação de coalizão, compartilhamento de inteligência e proliferação. Não há lugar para hesitação nessas missões. Não há tempo para o chefe se preparar.

Os aliados dos EUA na Otan normalmente enviam para Washington a nata de seu serviço diplomático. Mas apenas seis dos 26 embaixadores dos EUA nas capitais da Otan são funcionários de carreira do Serviço Exterior, o corpo diplomático americano. Entre os 20 nomeados por razões políticas nesses países, apenas cinco parecem razoavelmente qualificados.

Esta disparidade evidente poderia sugerir problemas nos critérios de seleção dos EUA. Não é o caso. A lei é clara, mas os presidentes a ignoram com freqüência e o Senado raramente a impõe. A Lei do Serviço Exterior, de 1980, estipula o seguinte em relação à nomeação de embaixadores: 1) o indivíduo deve ter competência claramente demonstrada para desempenhar as tarefas de um chefe de missão, incluindo, no mais alto grau possível, um conhecimento útil da principal língua ou dialeto do país (...) e conhecimento e compreensão da história, da cultura, das instituições políticas e econômicas e dos interesses daquele país; 2) cargos de chefe de missão devem normalmente ser concedidos a membros de carreira, embora a circunstância possa garantir, de tempos em tempos, a nomeação de indivíduos qualificados que não sejam membros de carreira; 3) contribuições para campanhas políticas não devem ser um fator de influência na nomeação de um indivíduo para chefiar uma missão.

Mas o levantamento de fundos para campanhas parece ser um fator de grande influência nessas nomeações. Dos 49 embaixadores nomeados por Bush, 27 são "Pioneiros" do presidente - ativistas que levantaram pelo menos US$ 100 mil (alguns embaixadores têm a audácia de destacar suas atividades de levantamento de fundos em suas biografias no Departamento de Estado). Apenas três desses 27 angariadores parecem qualificados para servir como embaixadores.

As complexidades do ambiente global pós-11 de Setembro, as exigências intrínsecas da diplomacia, as lições do Katrina e a comprovada incapacidade do governo de seguir o espírito das leis que aprovou pedem uma emenda à Lei do Serviço Exterior que limite o número de nomeações de quem não é diplomata. Al Gore, quando serviu no Senado, propôs um limite - 15%, ou 26 embaixadores.

Na semana passada, o Centro de Pesquisa Pew divulgou os resultados de uma sondagem mostrando que a imagem dos EUA no mundo continua a se deteriorar. A reparação de alianças rompidas, a restauração do prestígio internacional e a expansão de seu círculo de amigos são tarefas que precisam envolver uma nação de cada vez. A prática de nomear indivíduos desqualificados faz mais que desmoralizar profissionais dedicados e talentosos do Serviço Exterior.

Num momento em que os EUA se encontram isolados diplomaticamente, a prática obstrui os esforços para projetar o poder americano no exterior a fim de enfrentar ameaças que requerem uma abordagem cooperativa. Ela envia a mensagem errada para amigos e aliados. E não contribui para a informação diplomática com valor agregado ou para as recomendações de política criteriosas por parte das missões americanas. Em resumo, a prática não serve aos interesses de segurança nacional dos EUA e, portanto, deve cessar.