Título: Reação do Fed à alta dos preços é exagerada
Autor: Paul Krugman
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/06/2006, Economia & Negócios, p. B6

Nas últimas semanas, as autoridades monetárias mostraram-se preocupadas com a alta dos preços. Quarta-feira, Richard Fisher, presidente do escritório do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de Dallas, declarou que a inflação "está num nível corrosivo demais para ser aceito por um BC virtuoso".

Eu também estou preocupado, mas não com a alta dos preços. O que me preocupa é a reação exagerada do Fed a esses aumentos. Com a inflação, a principal coisa que devemos temer é o próprio medo.

As discussões sobre a inflação parecem conversa de iniciados: você leva mais em conta o Índice de Preços ao Consumidor ou o Índice de Preços ao Produtor? O problema real é saber se há um sério risco de a inflação se embutir na economia.

O exemplo clássico de inflação embutida é a espiral de alta dos salários da década de 70. Em todas as convenções salariais coletivas, os trabalhadores exigiam grandes aumentos, para cobrir as perdas com a inflação passada e para compensar a inflação que já era aguardada. E, quando as empresas aumentavam seus preços, aumentavam bastante, tanto para cobrir os aumentos salariais passados como para compensar os inevitáveis aumentos futuros.

A conseqüência foi que a inflação se tornou auto-sustentável, alimentando a si própria. E acabar com esse processo auto-sustentável foi muito difícil. O Fed conseguiu conter a inflação dos anos 70, ao custo da forte elevação do juro básico que levou a economia americana, no início da década de 80, à pior desaceleração desde a Grande Depressão.

Agora, os diretores do Fed acreditam que podemos estar no início de outra rodada de inflação auto-sustentável. Esse receio é procedente? Só se você achar que temos uma espiral de alta de salários, o que não é o caso.

O fato é que os aumentos salariais podem dar força à inflação apenas se os trabalhadores receberem regularmente aumentos que excedam em muito o crescimento da produtividade. E isso não está acontecendo.

Na verdade, o principal diferencial da atual expansão econômica - a razão pela qual a maioria dos americanos está descontente com a situação econômica, apesar dos bons números do Produto Interno Bruto e do explosivo crescimento dos lucros corporativos - é a desconexão entre a produtividade crescente do trabalhador e os salários estagnados. Nos últimos 5 anos, a produtividade, medida pelo PIB real por hora trabalhada, subiu 14%, mas os salários reais dos trabalhadores não ligados a atividades administrativas subiram menos de 2%.

E não há sinais de que as coisas irão mudar. A taxa oficial de desemprego é historicamente baixa, mas os trabalhadores não parecem ter grande poder de barganha. Isso significa que a taxa oficial de desemprego faz a situação parecer melhor do que é? Sim. O Livro Bege do Federal Reserve, divulgado esta semana, informa que nos últimos meses "as pressões por aumentos salariais continuaram moderadas de modo geral, com exceção das exercidas pelos trabalhadores de altíssima especialização".

Mas se as pressões por aumentos salariais são tão moderadas, de onde está vindo a inflação? Do aumento do petróleo e dos preços das commodities.

É verdade que alguns medidores da inflação, como os núcleos inflacionários, desconsideram a "primeira rodada" dos efeitos diretos da alta dos preços da energia. Mas há efeitos indiretos, que levam algum tempo para aparecerem nos índices. Boa parte da recente alta dos núcleos dos índices provavelmente decorreu da acentuada alta dos preços dos combustíveis, há alguns meses. E a menos que algo excepcional aconteça - digamos, só por hipótese, um ataque militar ao Irã -, a inflação provavelmente perderá força nos próximos meses.

E tenha em mente que muitos economistas, incluindo Ben Bernanke, presidente do Fed, acham que um pouquinho de inflação (digamos, 2% ao ano, em média) na verdade faz bem para a economia.

Seria um exagero dizer que não há nenhuma ameaça de inflação. Posso imaginar vários modos pelos quais a inflação se tornaria um problema. Mas é muito mais fácil pensar nos modos com que o Federal Reserve, erroneamente focado no fantasma da ameaça de uma nova espiral de alta dos salários, poderia reagir prontamente a ameaças maiores, como o estouro repentino da bolha imobiliária.

Portanto não temo a inflação, embora tenha medo do medo da inflação. Espero que o Fed elucide o assunto.