Título: Mal de destino e de opção
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/06/2006, Economia & Negócios, p. B2

Por uma dessas ironias que de vez em quando acontecem, a síntese da política de comércio exterior do presidente Lula foi formulada durante o governo Fernando Henrique, pelo então chanceler Celso Lafer: "O Mercosul é nosso destino e a Alca, nossa opção." O governo Lula incorporou a empreitada e o lema.

Em artigo publicado pelo Estado nesta terça-feira, o presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp, embaixador Rubens Barbosa, sintetizou, com certa dose de ironia, o que entende por fracasso da política durante o governo Lula: "O destino é incerto e a opção deixou de existir."

Embora o Brasil tenha sido reconhecido como líder do chamado Grupo dos 20, o balanço do setor, se não foi um fiasco, ficou muito perto disso.

O governo Lula fez corpo mole tanto nas negociações da Alca como nas do acordo com a União Européia e jogou todas as suas cartas no sucesso da Rodada Doha, no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Agora, ninguém mais aposta no bom desfecho dessas negociações. Os tempos são outros; são de acirramento do protecionismo das grandes potências e não de liberação de comércio.

As outras iniciativas que procuraram aumentar o protagonismo comercial do Brasil na América do Sul e no mundo também seguem malparadas.

A conquista de uma cadeira cativa no Conselho de Segurança na ONU não é propriamente um objetivo comercial, mas está entre as prioridades da política externa do governo Lula. Como vêem esse jogo com desconfiança, os próprios vizinhos boicotam a candidatura do Brasil e, com isso, atrapalham o jogo na frente comercial.

À China o governo Lula deu o reconhecimento privilegiado de economia de mercado, na expectativa de que também apoiasse o pleito brasileiro na ONU. Mas a China não vacilou em vetar a pretensão brasileira.

No ano passado, o Itamaraty tentou emplacar o embaixador Luiz Felipe Seixas Corrêa como diretor-geral da OMC e, para isso, chegou a manobrar contra o candidato do próprio Mercosul, o uruguaio Carlos Perez del Castillo. Foi fragorosamente derrotado na parada com a eleição do francês Pascal Lamy.

Também não conseguiu sustentar a candidatura do economista João Sayad à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Trabalhou para consolidar a Comunidade Sul-americana de Nações, mas encontrou a oposição ferrenha do presidente venezuelano, Hugo Chávez, que contrapropôs a Alternativa Bolivariana para a América Latina (Alba) para esvaziar o jogo brasileiro.

Chávez já foi chamado por seu então admirador Lula de "centroavante matador" e mereceu do Itamaraty um arranjo especial denominado Amigos da Venezuela que, na prática, o ajudou a consolidar seu poder.

No entanto, Chávez apronta todas contra o presidente Lula. Instigou a Bolívia a fazer o que fez no setor do petróleo, o que prejudicou a Petrobrás. E agora quer interferir na política energética do Brasil. O projeto da refinaria em sociedade com a Petrobrás, em Pernambuco, parece fracassado. Com os petrodólares saindo pelo ladrão, o presidente Chávez vai comprando liderança pela América Latina, inclusive em Cuba.

A Venezuela se intrometeu no Mercosul e, com a inexplicável omissão do Brasil, virou fato consumado. A simples presença da Venezuela de Chávez no bloco parece ter enterrado qualquer entendimento com a União Européia e o sonhado Projeto 4 + 1 (os quatro do Mercosul mais Estados Unidos) de acordo comercial.

A Fiesp agora lamenta a falta de acordos comerciais e a perda de acesso aos grandes mercados do mundo (Estados Unidos e União Européia), que são os que de fato importam. Mas a Fiesp também contribuiu para isso. Nunca foi entusiasta da Alca e sempre viu qualquer acordo comercial com desconfiança.

Quase todos os estudos da Fiesp sobre os efeitos dos acordos comerciais só levaram em consideração eventual aumento da competitividade do produto importado no mercado interno. Deixaram de avaliar desvios de comércio e perda de investimentos - o que agora está ficando claro - provocados pelo fechamento de acordos comerciais bilaterais entre Estados Unidos e outros países da América. Enfim, o Brasil vai mal de destino e mal de opção.