Título: Presidente fala errado para se aproximar de moradores de favela
Autor: Angela Lacerda e João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/06/2006, Nacional, p. A4

Aclamado por moradores de favelas e acompanhado por caboclinhos, bois e quatro bonecos gigantes que caracterizam o carnaval de Olinda, o presidente Lula estava à vontade, ontem, para defender suas ações pró-povo. Até falou errado de propósito - "as muié", "quatro mês" - para se tornar ainda mais próximo dos pobres.

Antes de ir ao palanque, rodeado de aliados locais, Lula visitou a favela V8, uma das beneficiárias dos recursos anunciados, abraçou moradores de palafita e até recomendou a uma delas para ligar as trompas. "O presidente viu minha barriga e disse: 'tá bom de cortar'", contou Maria Luciene da Silva, 42 anos, três filhos e grávida de seis meses. Emocionada com Lula, que entrou na palafita de um cômodo onde mora, na beira do Canal da Malária, Luciene disse tê-lo abraçado e beijado. "Fiquei emocionada."

A alegria de Luciene não é compartilhada pelas famílias que habitam no local. "O discurso do presidente é muito bonito, mas a gente não sabe como vai ficar a nossa vida", afirmou Miguel Barbosa Figueiredo, residente em uma casa de alvenaria na Rua Nova Iorque, onde também funciona uma bodega. Ele destacou que a maioria das habitações a serem erradicadas da área - na entrada de Olinda, cidade patrimônio da humanidade - foi construída a duras penas pelos seus donos, que estão no local há 20 anos. "Muitos de nós vivem de comércio nas casas da gente, então a gente devia ter uma indenização porque esse é o nosso ganha-pão."

"Essa história vai me desassossegar do mesmo jeito que o povo que foi tirado da Ilha do Maruim (área próxima, na beira do mar). A gente gastou um dinheiro que não tinha para aterrar o lugar, levantar os tijolos e agora não se sabe o que vão fazer, se vamos receber auxílio-aluguel."

"O pobre não deve ficar contente com nada", reagiu Ednaldo Ferreira Barbosa, 38 anos. Ambulante, destacou que "eles só olham para a gente quando a gente invade, quando vive como rato". Para seu vizinho, Marcos Alves da Silva, o interesse na favela é para embelezar a entrada da cidade, sem importar se é o que os moradores querem. A secretária de Planejamento de Olinda, Sônia Calheiros, garante que o projeto leva em conta todos os temores dos moradores.