Título: EUA vão tirar Brasil da Copa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2006, Economia & Negócios, p. B6

A inflação americana em maio aumentou 0,4%, mas o consumo no varejo cresceu só 0,1% em forte contraste com 0,8% no mês anterior. Em outras palavras, os americanos consumiram menos, mas gastaram mais. Vamos alertar para a principal conclusão dos economistas. Estamos diante de sinais muito claros de que a economia americana está se desacelerando e a inflação subindo. Ou seja, a economia mundial está em risco.

No primeiro trimestre, o PIB foi de 5,2% (uma festa), mas a previsão agora é de 2% a 3% nestes três meses decorrentes das conseqüências indiretas dos preços do petróleo repassados para o custo de outros produtos, alta dos juros e a menor valorização imobiliária (à qual pode-se acrescentar o aumento dos aluguéis), prevê Stuart Hoffman, economista-chefe do PNC Financial Groups.

"As tendências da inflação são feias... infelizmente, a inflação tem um ciclo como tudo o demais e, com a economia começando a arrefecer, podemos estar perto do pique desse ciclo", afirma o relatório do Naroff Economics Adviers.

Para eles, não se trata mais de prever uma elevação de 0,25 ponto agora, mas outra igual, em junho. Essas análises refletem o sentimento pessimista de grande parte dos mercados. Agora, já não se sussurra, mas se fala abertamente na possibilidade de juros de 6% em junho .

Se havia um jogo de braço entre o mercado financeiro e o Fe d (banco central americano), não há mais. Os juros devem subir 0,25 ponto no fim do mês e os aplicadores aceleram sua saída dos mercados mais arriscados, emergentes, como Rússia, Índia, Brasil e até os mais desenvolvidos. Correm para papéis mais seguros. As bolsas desses países estão dando sinais disso, com as cotações despencando com a fuga de dólares.

VAI FALTAR CARNE-SECA

Quais as repercussões deste novo cenário, no mínimo sombrio, para o Brasil? A seguir neste ritmo, com a economia americana desacelerando, a européia parada e sofrendo mais fortemente a inflação contida por juros que a economia não suporta, nós não escaparemos da crise que se aproxima.

Mas não dizem que estamos fazendo tudo certo para enfrentar esses acontecimentos? Não temos "carne-seca sobrando?" Não, absolutamente não. Os mercados a devoram rapidamente e vão pedir ainda mais...

Apesar dos discursos palanqueiros, estamos cada vez mais expostos. Por quê?

1 - O real, grande cabo eleitoral do presidente, continua valorizado derrubando agora as exportações e aumentando as importações. Estamos transferindo emprego e riqueza para o exterior.

2 - O governo está gastando fartamente em setores que rendem votos, com donativos que atenuam enganosamente as disparidades sociais. É esmola em vez de emprego que só se cria com investimento. E o governo deixa de investir para passar a doações que logo secam.

3 - Os investimentos do governo desabaram, cresceram no primeiro trimestre puxados pelos gastos em tapa-buracos e outros artifícios paralelos. A infra-estrutura-chave para a exportação continua desmoronando. Não foi o presidente que, há alguns meses, revoltado com o estado dos portos, jurou que iria assumir pessoalmente o comando do setor? Pois as filas quilométricas continuam...

4 - O orçamento virou ficção científica: O dinheiro perdido.

5 - Estamos afugentando investimentos diretos externos e os relativamente pouco nacionais já estão parando. Os investimentos financeiros, até agora atraídos pelo nossos juros, já olham para os juros dos EUA.

BC E TESOURO ISOLADOS

Os únicos lúcidos são o BC e o Tesouro, nesta Brasília de festivas comissões de inquérito, no Palácio do Planalto onde se dança na euforia das pesquisas eleitorais, registrando os magníficos resultados da gastança e das generosidades bem focalizadas para rechear as urnas.

Só o BC e o Tesouro estão armando de forma inteligente uma barreira, inevitavelmente precária para quando a tempestade vier. Aumentaram as reservas, recompraram títulos, alongaram dívidas, fizeram caixa para até 2007, enfim, adotaram uma série de medidas de proteção. Mas é uma proteção parcial. Estão sozinhos.

FALTA O RESTO, QUE É TUDO

Querem um exemplo? Um fato menor, como a desaceleração inevitável do comércio mundial em caso de crise e com as exportações amarradas a um dólar raquítico, "ninguém mexe no real", alguém muito importante já disse em Brasília, e lá se vai o pilar do superávit comercial, já abalroado. Isso não seria tão grave se entrassem investimentos diretos externos, mas eles estão saindo.

A COPA SEM ATAQUE...

Sofri com o jogo com a Croácia e sabem qual foi a minha impressão, comparando com a política econômica do Brasil? Só vi muitos jogadores milionários pavoneando na linha de frente, não fazendo nada (era Brasília) e os heróicos pobres coitados da defesa (BC e Tesouro) segurando o tranco e dizendo "vão pra frente, vão pra frente!". E não iam, como a dizer (eles pensando no dinheiro e Brasília, no Ibope) não me encham, afinal estamos ganhando!!!

Mais alguns minutos de jogo e... nem quero pensar no BC e no Tesouro. Meu senso machucado de patriotismo me impede de acreditar no que vai acontecer contra um time melhor e quando a economia americana retroceder levando a gente aos trancos e trambolhões...