Título: Fraude bilionária na ajuda pós-furacão
Autor: Eric Lipton
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2006, Internacional, p. A12

Segundo investigação do Congresso, um total de até US$ 1,4 bi foi para farsantes ou pessoas que não mereciam auxílio

Um total de até US$ 1,4 bilhão da ajuda do governo destinada às vítimas dos furacões Katrina e Rita - quase um quarto do total enviado - foi parar nas mãos de farsantes ou de vítimas que não mereciam, concluiu uma nova investigação do Congresso. Para o deputado Michael McCaul, republicano do Texas e presidente do subcomitê da Câmara que comandou o inquérito, a escala de desmandos ultrapassa em muito seus piores temores, apesar de meses de evidências acumuladas de que o sistema de prevenção de fraudes da Agência Federal de Administração de Emergências (Fema, pelas iniciais em inglês) era deploravelmente inadequado. "É escandaloso e estarrecedor", disse McCaul, um ex-promotor público federal.

Os pagamentos impróprios ou fraudulentos foram para uma série atordoante de estelionatários e outros receptores não merecedores, segundo análise do Escritório de Contabilidade do Governo (organismo do Congresso que audita os gastos governamentais), que anunciou ontem suas conclusões.

Em um dos casos, um homem hospedou-se por mais de dois meses por conta do governo num hotel no Havaí com diária de mais de US$ 100. Ao mesmo tempo, estava recebendo US$ 2.358 do governo de auxílio aluguel, embora não estivesse morando na casa que alegou ter sido danificada pela tempestade. O relatório afirma que o auxílio para emergências foi usado, entre outras coisas, na compra de ingressos para jogos de futebol americano, jóias, vídeos pornográficos, uma garrafa de Dom Perignon de US$ 200, no pagamento de uma cirurgia para mudança de sexo e de uma conta no Hooters (rede de restaurantes americana de luxo) em San Antonio.

Mais de US$ 5 milhões foram enviados a pessoas que forneceram como endereço de sua propriedade danificada cemitérios ou caixas postais. A Fema também deu dinheiro ou auxílio-moradia a mais de mil presos, totalizando milhões de dólares. Um prisioneiro usou uma caixa postal para arrecadar US$ 20 mil. Alguns dos prisioneiros talvez fossem realmente donos de propriedades danificadas, mas a maioria não era elegível para o auxílio.

Num outro caso, 24 pagamentos, no total de US$ 109.708, foram feitos a um único apartamento, onde oito pessoas apresentaram pedidos de ajuda oito vezes. Uma outra pessoa recebeu 26 pagamentos usando 13 números diferentes da Previdência Social - num total de US$ 139 mil -, embora os registros públicos mostrem que essa pessoa não morava em nenhum dos endereços informados como danificados.

Aaron T. Walker, porta-voz da Fema, disse que a agência está agindo para corrigir os problemas que podem ter contribuído para as fraudes. Ela está adotando um sistema que bloqueará múltiplas inscrições de pedido de ajuda protocoladas sob um único número da Previdência Social. Walker disse que, inicialmente, a necessidade de distribuir ajuda rapidamente após os furacões impossibilitou uma verificação dos pedidos. "A prioridade máxima da Fema durante uma catástrofe é conseguir ajuda rápida para aqueles que estão precisando desesperadamente de ajuda."

Os investigadores também testaram o sistema criando inscrições falsas e receberam um total de US$ 6 mil em ajuda para caso de calamidade (os cheques nunca foram descontados). Os investigadores chegaram à conclusão de que os pagamentos fraudulentos ou impróprios variaram entre US$ 400 milhões e US$ 1,4 bilhão, o que os levou a determinar US$ 1 bilhão como a estimativa mais provável, o que representa cerca de 16% da ajuda distribuída.

As famílias tinham direito a um total de US$ 26.200 em ajuda, incluindo US$ 2 mil em dinheiro como assistência de emergência logo depois da passagem dos furacões, assim como US$ 790 por mês para alugar uma moradia temporária. Elas também podiam ocupar quartos de hotel gratuitamente, mas não se estivessem recebendo ajuda para aluguel, algo que muitos fizeram.

Os dois furacões atingiram os EUA em 2005. O Katrina causou 1.836 mortes e o Rita, 120.