Título: O México e o Mercosul
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2006, Notas e Informações, p. A3

Se depender do governo do presidente Vicente Fox, já em julho o México seria membro associado do Mercosul. Se depender do Itamaraty, isso não acontecerá tão cedo. O México está no Hemisfério Norte, tem um acordo de livre comércio com os Estados Unidos e o Canadá graças ao qual sua economia tem crescido a ponto de seu PIB praticamente se igualar ao do Brasil. Sua dinâmica diplomacia comercial produziu acordos de livre comércio também com o Japão e a União Européia - façanha que o Mercosul vem tentando repetir, sem sucesso, há anos -, com a América Central, a Colômbia, o Equador, o Peru e o Chile. Mas não interessa ao Itamaraty que o Brasil tenha, no Mercosul, um sócio com esse perfil.

O México poderia ser usado pelas empresas brasileiras como plataforma para atingir os mercados mais ricos do mundo em condições mais competitivas - mas isso também não interessa ao Itamaraty. Complementando alguns de seus sistemas produtivos - e para isso bastaria o Mercosul melhorar o nível do relacionamento político e comercial com o México -, empresas do Brasil e do México poderiam criar condições para fazer frente à onda de produtos baratos chineses e indianos que inundam mercados que poderiam comprar produtos feitos na América Latina. Mas isso não preocupa o Itamaraty.

O que preocupa o Itamaraty é que o México está próximo demais dos Estados Unidos e muito distante da América do Sul. Ora, a atual política externa brasileira tem um indisfarçável ranço antiamericano - que só não prejudicou o relacionamento bilateral porque o Departamento de Estado tem demonstrado excepcional boa vontade com o Brasil, em parte respondendo à atuação profissional dos representantes brasileiros em Washington. Também escolheu a América do Sul como prioridade - o que o governo Fernando Henrique já havia feito, mas sem excluir as oportunidades políticas e comerciais oferecidas pelo México.

Como se isso não bastasse, o Itamaraty estabeleceu como objetivo principal da política externa brasileira obter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. E o México defende uma reforma diferente da desejada pelo Brasil, reservando-se as vagas que forem criadas a regiões, e não a países. Assim, haveria uma vaga permanente para a América Latina, a ser preenchida, a cada três ou cinco anos, por um país da região.

Essa diferença de posições tornou-se tão decisiva no relacionamento bilateral que a primeira coisa que o secretário de Relações Exteriores do México, Luiz Ernesto Derbez, pediu a seus interlocutores brasileiros, quando visitou Brasília na segunda-feira, foi que a questão do Conselho de Segurança fosse "compartimentalizada", para não condicionar ou contaminar os outros itens da pauta.

O fato é que o Brasil continua impondo condições que retardam a adesão do México como associado, em franco contraste com as facilidades oferecidas à Venezuela para se tornar sócio pleno. Para a Venezuela, foi criado um estatuto intermediário que permitiu ao presidente Hugo Chávez participar das reuniões de cúpula do Mercosul. E a harmonização tarifária, bem como a vigência da Tarifa Externa Comum, não ocorrerá antes de decorridos quatro anos da assinatura do acordo de adesão. Já o México tem status de observador - o que exclui o presidente Fox das reuniões - e dele o Brasil exige a assinatura prévia de um acordo de livre comércio. A Argentina, o Uruguai e o Paraguai, ao contrário, aceitam os acordos de preferências comerciais já assinados, considerando-os como base suficiente para uma ampliação. Assim, fica clara a intenção do Itamaraty de obstruir o acesso do México.

O México não pretende ser sócio pleno do Mercosul. Assim como o Chile, tem uma estrutura tarifária que não pode ser compatibilizada com a da união aduaneira que é o Mercosul, a menos que abandone o Nafta - o que é impensável. Quer integrar-se ao Mercosul como membro associado por razões geopolíticas - tanto para manter um diálogo político permanente com o Brasil e a Argentina como para formar com os dois países um ponto de equilíbrio entre a América do Sul e os Estados Unidos - e comerciais. Nada disso contraria os interesses permanentes do Brasil. Mas não são esses interesses o que tem orientado a política externa petista.