Título: Aldo bate de frente com Lula
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2006, Nacional, p. A6

'Até quando?', pergunta o deputado a respeito do desacerto parlamentar do governo

Ex-ministro da Articulação Política, aliado da primeira às mais recentes horas do presidente Luiz Inácio da Silva, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, está perdendo a paciência com a visão arrevesada que Lula tem do Congresso e, a propósito de declarações recentes, faz a ele seu mais contundente ataque.

Aldo Rebelo acha que o presidente errou feio ao dizer que a votação da extensão do aumento do salário mínimo aos aposentados "não foi séria".

"Antes de falar mal do Parlamento, e até da oposição, conviria o presidente examinar se os problemas não são causados por ausência de organização na sua base de apoio. O Congresso não é um ente abstrato, é composto por partidos cuja maioria hoje apóia o governo. Se o presidente não consegue aprovar ou rejeitar propostas de seu interesse, a responsabilidade não é da oposição e muito menos da instituição", diz Aldo Rebelo, cuja preocupação vai além, alcança um possível segundo mandato de Lula.

"É preciso lembrar que o Congresso continuará a existir e que se o presidente Lula for reeleito essa situação de desacerto tende a continuar. É o caso de se perguntar: até quando?"

O presidente da Câmara lembra que o governo em tese é majoritário e, portanto, a oposição sozinha não teria votos suficientes para aprovar ou reprovar nada.

A paralisia do Parlamento, na opinião de Aldo Rebelo, tem origem exatamente na ausência de capacidade do Palácio do Planalto de fazer as coisas andarem.

"Acontece na prática o seguinte: o governo tem medo de votar porque tem receio de perder e a oposição também prefere não fazer nada para não correr o risco de aprovar medidas que favoreçam Lula. Fica um com medo do outro e ninguém faz nada."

Na opinião de Rebelo, "a oposição está no papel dela, quem tem o dever de organizar o ambiente é o governo".

De acordo com a análise do presidente da Câmara, há defeitos evidentes no funcionamento das relações Legislativo-Executivo.

O mais grave, segundo ele, é a "nítida separação" entre o "eixo do poder", representado pelos petistas incrustados no Palácio do Planalto - Luiz Dulci e Tarso Genro - e o "eixo de governabilidade", que é a base parlamentar.

Cada um funciona numa sintonia diferente e por isso, e não "por preguiça ou falta de seriedade do Congresso", as votações não refletem a situação de maioria de que desfruta o governo.

A irritação do presidente da Câmara, que com suas críticas ao presidente da República cuida de se preservar e se comportar em acordo com o cargo que ocupa, tem também um sentido institucional.

"Não é didático nem democraticamente pedagógico que o presidente da República trate o Poder Legislativo em tom de depreciação e menosprezo. Esse tipo de atitude não demonstra conhecimento a respeito do papel do Parlamento nos regimes democráticos."

Em formol

Aldo Rebelo não aposta um real na chance de aprovação da emenda constitucional que aumenta em cerca de 5 mil o número de vagas para vereadores em todo o País.

Segundo ele, a proposta está pronta para ser votada pelo plenário, mas dificilmente entrará na pauta porque não há acordo entre os líderes dos partidos.

Além disso, o presidente da Câmara acha "muito difícil" reunir o quórum qualificado (308 votos) para aprovar emendas constitucionais em torno de uma proposta que pode até mobilizar deputados interessados em agradar vereadores, mas é francamente impopular.

Ele também não acha possível a emenda ir à votação a fim de ser liquidada de uma vez.

"Na política às vezes há elementos de conservação de cadáveres muito mais eficientes que o formol." Ou seja, para usar expressão do próprio Aldo Rebelo, a emenda vai "ficar ali", insepulta.