Título: Governo Lula corta verbas e asfixia agências. Só em 2005 foram R$ 4,4 bi
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2006, Economia & Negócios, p. B1

O governo federal tem asfixiado as agências reguladoras com o corte de bilhões de reais de verbas do orçamento. Só em 2005, as seis principais agências do setor de infra-estrutura foram contingenciadas em mais de R$ 4,4 bilhões dos R$ 5,2 bilhões previstos, 84% do total, segundo estudo feito pela Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), a pedido do Estado.

O problema tem se repetido nos últimos anos, em especial desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Fato que compromete tanto a qualidade como a quantidade dos serviços prestados à população, como energia elétrica, telefonia, estradas e combustíveis. ¿É uma questão ideológica. Desde o início, esse governo questionou o papel das agências. Agora quer acabar com elas por inanição, quer matá-las por asfixia¿, afirma o presidente da Associação Brasileiras das Agências Reguladoras (Abar), Álvaro Machado.

A grande crítica é que o orçamento vem de taxas e contribuições pagas por consumidores e empresas para manter as atividades das agências reguladoras, como fiscalização e elaboração de projetos. Segundo o levantamento, os reguladores têm fontes de receitas diversas, como royalties, taxas de fiscalização cobradas das concessionárias e bônus, entre outras.

O ¿pulo do gato¿, segundo especialistas que passaram por agências, é que o governo contingencia esses recursos, que não podem ser usados para outras finalidades, para fazer o superávit primário. Com isso, compensa o dinheiro que terá de usar com outros gastos. Segundo o levantamento da Abdib, o mecanismo chama-se Reserva de Contingência, em que os cortes já são feito na Lei Orçamentária Anual (LOA). A prática pode ser verificada na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Na ANP, por exemplo, o orçamento aprovado no ano passado era de R$ 2,62 bilhões, com uma reserva de contingência de R$ 2,36 bilhões. Ou seja, sobraram R$ 263 milhões para serem gastos. Mas nem depois de todo esse corte a agência ficou imune a novas reduções por parte do governo. No final, ela só conseguiu liquidar despesas de R$ 218 milhões - ou 8,3% do previsto na lei orçamentária.

TAXAS PARA FINS DEFINIDOS O mesmo ocorreu na Anatel: o orçamento de R$ 2,01 bilhões se transformou em R$ 204 milhões - volume liquidado no final de 2005. Na Aneel, da verba inicial de R$ 184 milhões, apenas R$ 98 milhões foram liquidados. Machado, da Abar, afirma que há questionamento no Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a legalidade ou não dos contingenciamentos de recursos dos reguladores. O motivo é o fato de existir a cobrança de taxas com destinos específicos, cujos recursos ficam no Tesouro e não são repassados integralmente às agências.

O estudo da Abdib levou em consideração valores de execução orçamentária das seis agências voltadas ao setor de infra-estrutura. Os dados foram coletados junto ao TCU e nos relatórios anuais de gestão e ação dos reguladores desde a criação de cada instituição. Esses relatórios mostram como o governo descumpre as leis que dispõem sobre a destinação de algumas taxas e como o dinheiro que vai para as reservas de contingencia prejudica a contratação de serviços e estudos necessários nos setores. ¿Avançamos muito ao criamos as agências reguladoras. Mas elas não conseguiram evoluir¿, afirma o presidente da Abdib, Paulo Godoy.

O corte de verbas denota a falta de interesse do governo em fortalecer as agências reguladoras, cujo papel é garantir estabilidade no ambiente de negócios, afirma o professor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Caio Mário Pereira Neto. Segundo ele, o resultado dessa falta de dinheiro é a morosidade dos órgãos no aperfeiçoamento das regras e na gestão de processos administrativos. ¿Há uma redução da capacidade de resposta das agências em setores dinâmicos que exigem reações rápidas, como é o caso da área de telecomunicação.¿

Nas agências menores, os contingenciamentos existem, m, mas os valores são pequenos comparados aos bilhões de ANP e Anatel. Na Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), a execução orçamentária até melhorou. Um dos motivos são os estudos necessários para a realização do leilão de concessão das rodovias.