Título: Disputas atrasam nomeações
Autor: Ariosto Teixeira, Gerusa Marques e Leonardo Goy
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2006, Economia & Negócios, p. B3

Embora não assuma que prefere fortalecer o poder político dos ministros e do próprio presidente da República, em detrimento das agências, na prática é isso que o governo tem feito. Um dos recursos usados é o de simplesmente não nomear novos diretores - e mesmo os presidentes dos órgãos - deixando os cargos vagos ou, quando se torna possível, fazendo designações políticas.

A Anatel é um exemplo. A agência está sem presidente efetivo desde novembro do ano passado por causa de uma briga entre a chamada ¿ala sindicalista¿ do PT e os governistas do PMDB. Os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Renan Calheiros (PMDB-AL) batalham a indicação do ex-deputado Paulo Lustosa (PMDB-CE). Já os deputados petistas Jorge Bittar (RJ) e Walter Pinheiro (BA) querem a efetivação do conselheiro José Leite Pereira Filho.

O veto principal a Lustosa é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora seja o ministro das Comunicações, Hélio Costa, senador licenciado do PMDB mineiro, a verbalizá-lo. Leite, nomeado ainda no governo Fernando Henrique, é vetado pela chamada ¿ala sindicalista do PT¿. Apesar de ser um técnico respeitado, o mais antigo conselheiro da Anatel é visto pelos sindicalistas como ¿independente demais¿.

O ator mais influente dessa ala é o sindicalista José Zunga, amigo de Lula e presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel). Seu principal aliado no Congresso é o deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e também íntimo do presidente. Zunga deseja a volta à presidência da Anatel do sindicalista Pedro Jayme Ziller, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações (Sintel) em Minas Gerais.

O deputado Júlio Semeguini (PSDB-SP), especialista no assunto, avalia que reter recursos orçamentários e nomear políticos no lugar de técnicos para cargos que exigem amplo conhecimento ¿é uma maneira de controlar as agências¿. ¿O presidente Lula transformou a arrecadação das agências em impostos administrados pelo Ministério da Fazenda e indica políticos que não dão prioridade às ações do órgão regulador. O objetivo óbvio é enfraquecer o sistema regulatório do País.¿

¿A situação da Anatel é absurda¿, disse ao Estado o empresário José Fernandes Pauletti, presidente da Abrafix. A impressão de Pauletti é de que o governo deixou que a situação da Anatel se deteriorasse ¿a fim de desmoralizar todas as agências¿. O mesmo procedimento foi adotado em relação à Agência Nacional do Petróleo (ANP), cuja diretoria chegou a ser ocupada por apenas dois titulares entre março e junho e só voltou a ter quórum de deliberação recentemente, com a nomeação de Nelson Narciso, aprovada dia 23 pelo Senado.

O presidente da ANP, o ex-deputado Haroldo Lima, indicado pelo PC do B, partido do presidente da Câmara, Aldo Rebelo (SP), reclama das limitações orçamentárias da agência. Mas não faz disso um cavalo de batalha, embora o sufoco financeiro seja enorme. Segundo dados da agência, dos R$ 2,6 bilhões arrecadados a título de participação especial na produção dos campos de exploração mais produtivos, somente R$ 230,8 milhões foram repassados à ANP.

DESMANTELAMENTO O enfraquecimento das agências reguladoras passou por várias etapas. No início do mandato, Lula se limitava a fazer declarações desfavoráveis, diz o senador José Jorge (PFL-PE), ex-ministro de Minas e Energia e candidato a vice na chapa de Geraldo Alckmin, do PSDB. ¿Depois o método de desmantelamento foi aperfeiçoado e o governo começou a fazer nomeações políticas de diretores; em seguida passou a reter recursos e agora demora a preencher vagas abertas nas diretorias, impossibilitando-as de tomar decisões.¿

Para tentar resolver o problema, Jorge apresentou emenda constitucional que dá ao Senado poder para nomear diretores de órgãos reguladores, caso o governo não o faça até 90 dias após a vacância do cargo.

O ato mais recente para transferir o poder das agências aos ministérios, e ao próprio presidente da República, decorreu de um parecer da Advocacia Geral da União (AGU). Com base no documento, Lula está sendo pressionado a dar ao Ministério dos Transportes poder para julgar recurso da empresa Tecon, que administra o Porto de Salvador, contra decisão da Agência de Transportes Aquaviários (Antaq).

O consultor-geral da AGU, Manoel Volkmer de Castilho, argumenta no parecer que ¿a supervisão ministerial (...) é traço essencial do regime presidencialista vigente¿. Ou seja, atribui ao ministro dos Transportes e ao presidente da República palavra final em questões das atribuições das agências.

¿Por que buscar a assinatura do presidente para uma questão simples, sem relevância?¿ - indaga o advogado Paulo Valois Pires. E ele mesmo respondeu em entrevista à colunista Suely Caldas: ¿A única explicação é o propósito de criar jurisprudência para orientar casos futuros¿. Pires atua na área de direito regulatório e tem clientes em conflito de interesses com agências reguladoras.