Título: Lamy corre contra o relógio para buscar acordo
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2006, Economia & Negócios, p. B4

A missão de impedir o fracasso da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) pesa sobre as costas de um experiente negociador, o francês Pascal Lamy, que conta com apenas 28 dias para dissolver o impasse entre Estados Unidos e União Européia (UE) sobre os subsídios e a proteção à produção agrícola. Lamy começa nesta manhã sua corrida contra o relógio com uma reunião de gabinete voltada para a alteração completa de sua agenda deste mês.

Amanhã, desembarcará no Japão, um país com poder suficiente para atravancar a Rodada Doha, mesmo se americanos e europeus entrarem em sintonia. Esse primeiro passo, a visita oficial a Tóquio, mostra que seus movimentos serão calculados milimetricamente. O Japão é um dos principais membros do G-10, o grupo de economias desenvolvidas que resistem a qualquer abertura ou redução de subsídios na área agrícola.

Atleta amador que se prepara a cada ano para a Maratona de Nova York, Lamy provavelmente terá de deixar de lado seus treinamentos intensivos nas quintas-feiras, das 12 horas às 16 horas, para cumprir sua missão.

Afinal, o que está em jogo, neste mês, é o enterro da Rodada Doha, indicado pelo fracasso das negociações dos pré-acordos dos capítulos agrícola e industrial, na noite de sexta-feira da semana passada. No sábado, Lamy foi claro ao assinalar que a negociação mergulhou em uma ¿crise¿. Mas acrescentou que ainda não há ¿pânico¿.

A esperança deixada ao final dos encontros de Genebra está na disposição dos principais países e agrupamentos da OMC de continuar a negociação. A representante dos EUA para o Comércio, embaixadora Susan Schwab, frisou que a proposta americana sobre os cortes nos subsídios domésticos não foi posta sobre a mesa sob a condição de ¿pegar ou largar¿. O comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, foi mais reticente na possibilidade de detalhar qual a real oferta de abertura de mercado agrícola. Mas mostrou-se disposto a continuar as conversas.

Essa é a última ¿portinhola¿ para a Rodada Doha, como definiu o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que representa um país que aposta todas as suas fichas na liberalização do comércio agrícola mundial e na eliminação dos mecanismos que mais o distorcem. Para o Brasil, por mais e melhores que sejam os acordos de livre comércio que o Mercosul possa concluir, os resultados não chegarão ao impacto positivo que teria um bom acerto na OMC.

A essa intenção de prosseguir com as negociações, acrescentam-se outros movimentos que poderão contribuir para a dissolução do impasse e a conclusão dos pré-acordos até o final de julho. Entre eles, a possibilidade de a Rodada Doha ser discutida na reunião cúpula do G-8 (o grupo das sete economias mais ricas do mundo, somado à Rússia), em São Petersburgo, entre os próximos dias 15 e 17. A idéia de levar aos chefes de governo a atribuição de definir as posições de cunho político, mesmo que referentes a temas técnicos, é vista pelo governo brasileiro como a melhor saída.

Lamy não vê vantagens nessa fórmula e buscará por conta e risco próprios uma alternativa. Vai se valer, sobretudo, de sua habilidade negociadora e do poder extra atribuído pelo G-6, o grupo dos seis sócios mais influentes e representativos da OMC (Estados Unidos, União Européia, Japão, Brasil, Índia e Austrália).

Comissário de Comércio da União Européia entre setembro de 1999 e novembro de 2004, Lamy foi um dos responsáveis pelo lançamento da Rodada Doha, em 2001. Antes de assumir essa função, respondia pelo posto número 2 do grupo Crédit Lyonnais e, de 1984 a 1994, havia trabalhado junto com o ex-presidente da Comissão Européia Jacques Delors.