Título: A invasão que não chega ao fim
Autor: Cley Scholz
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2006, Economia & Negócios, p. B10

A multinacional suíça Syngenta, maior empresa do Brasil em sementes e defensivos agrícolas, está reavaliando seus planos de investimentos no Brasil, mercado que até recentemente era considerado estratégico por ser o maior da companhia depois dos Estados Unidos. O motivo é a invasão e a ocupação das instalações da sua área de pesquisas e desenvolvimento de sementes no Oeste do Paraná por militantes da organização Via Campesina, há quase quatro meses.

¿O investimento para o ano que vem certamente vai tender a zero¿, afirma o diretor geral da Syngenta Seeds, o argentino Pedro Rugeroni. Este ano a empresa programou investimento de US$ 12 milhões para o Brasil, mercado onde fatura US$ 800 milhões por ano.

Até agora, a empresa estima que teve prejuízos de cerca de US$ 1,5 milhão com a invasão. Se a ocupação persistir, a situação pode piorar. ¿Temos uma perda potencial de quatro ou cinco anos, equivalente a US$ 50 milhões, por conta do material que estava armazenado nas câmaras frias do centro de pesquisa¿, explica Rugeroni. Ele se refere às sementes melhoradas ou em vias de melhoramento, chamadas de germoplasmas. São sete mil linhagens e oito mil híbridos guardados cuidadosamente por pesquisadores em saquinhos de papel de 200 gramas ao longo dos últimos de 20 anos.

¿O trabalho de pesquisa é um processo demorado, pelo qual você desenvolve uma linhagem da planta até alcançar a variedade ideal para ser comercializada¿, diz o diretor geral da empresa. ¿Não vamos vender todas as sementes que estão armazenadas, mas daquele conjunto vão sair as seleções melhoradas¿. Todos os anos a Syngenta lança dois ou três híbridos, a partir das sementes cultivadas e aperfeiçoadas na estação paranaense. ¿Agora as sementes plantadas para utilização em pesquisa estão sendo usadas para alimentar porcos e galinhas dos invasores¿, queixa-se ele.

Os problemas da Syngenta, empresa que fatura US$ 8 bilhões por ano no mercado mundial, começaram no dia 14 de março, quando cerca de mil agricultures da Via Campesina ocuparam a estação de pesquisa da cidade de Santa Tereza, criada em 1987. Os invasores exigem que a área de 123 hectares seja transformada num centro modelo de agroecologia, com a destruição das áreas de cultivo de sementes transgênicas. Eles alegam que a invasão foi feita para denunciar o experimento ilegal de transgênicos na área localizada próxima ao Parque Nacional do Iguaçu. Segundo eles, o cultivo na área é crime ambiental.

A Syngenta alega que não praticou nada ilegal e que o cultivo foi liberado pelo Ibama. A empresa reclama que os invasores levaram porcos, gado e cavalos e que estão danificando as plantações experimentais. Também estão retirando madeira da área de preservação ambiental de 50 hectares para construir barracos.

Cinco dias após a invasão, a companhia obteve na Justiça a reintegração de posse. O juiz concedeu mais cinco dias para a desocupação pacífica. Vencido o prazo, o governador do Paraná, Roberto Requião, deveria ser notificado para determinar a desocupação com força policial. ¿O juiz levou quase três meses para conseguir entregar a notificação ao governador¿, diz Rugeroni. ¿A demora preocupa muito as companhias que atuam no agronegócio, pois demonstra que falta segurança jurídica no País, o que é um grande problema para os investidores¿.

Ele cita outros casos semelhantes, como o da Aracruz e da Monsanto, que também enfrentaram invasões recentes de agricultores. A Monsanto teve sua unidade experimental de pesquisa ocupada pelo MST em Ponta Grossa, no Paraná, em 2003. A Aracruz teve o seu laboratório e viveiro invadido este ano em Barra do Ribeiro (RS). No caso da Monsanto, a espera para recuperar a posse foi de um ano e seis meses.

Algumas semanas depois da invasão da Syngenta, um grupo de associações empresariais ligadas ao agronegócio e as principais empresas do setor procuraram o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Manifestaram preocupação sobre a sensação de falta de segurança para os investidores. ¿O ministro concordou que é necessário defender a pesquisa e a inovação, mas poderia ter feito uma crítica mais explícita aos invasores¿, diz o executivo da Syngenta.

Rugiero diz que a invasão é um caso emblemático. ¿O episódio causa um grande constrangimento entre as empresas de agronegócio. Se essa situação avança, estou seguro que muitas empresas vão repensar seus investimentos no Brasil¿, diz Rugiero.