Título: 'Tendência é gerar profunda divisão política'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2006, Nacional, p. A12

Ao contrário do que pensam os defensores de leis de cotas e estatutos visando à igualdade racial, elas podem criar profundas divisões entre os brasileiros. Essa é a opinião do sociólogo Demétrio Magnoli, doutor em geografia humana e professor da USP. "Essas leis são uma fonte de racismo", diz ele.

Em entrevista ao Estado, a ministra Matilde Ribeiro, da Promoção da Igualdade Racial, afirmou que ela e os autores do manifesto contra os projetos em tramitação no Congresso têm o mesmo ponto de vista teórico sobre a questão. Só divergem nos aspectos práticos.

Isso é falso. Tanto ela quanto os outros defensores desses projetos têm outra concepção sobre sociedade, Estado, Nação e política. Eles não acham que a Nação é constituída por indivíduos iguais perante a lei, mas por uma coleção de minorias, coletividades definidas pela raça ou etnia. Se aprovado, o estatuto significará uma nova Constituição para o Brasil. A Nação deixará de ser um conjunto de cidadãos perante a lei para se transformar numa confederação de raças.

O senhor prefere a universalização dos serviços públicos à aplicação de cotas. Mas afirma-se que isso não basta para alcançar os historicamente excluídos.

Não há base histórica para tal afirmação. Nos países onde foram aplicadas, as políticas universais foram efetivas no combate às desigualdades. O problema do Brasil é que essas políticas não são aplicadas. Veja a ruína do ensino público de nível médio, onde o nível da maioria das escolas não pode sequer ser comparado ao das escolas particulares.

As cotas não seriam melhores para socorrer os mais ameaçados?

Nos Estados Unidos, durante 30 anos de políticas de ações afirmativas, com ênfase em cotas, verificou-se que elas não têm tanta força para reduzir as desigualdades. Em certos períodos destas três décadas as desigualdades até aumentaram. Esse tipo de política só traz benefícios para uma elite no meio daqueles que se pretende privilegiar.

Que elites?

Aqueles que terminaram o ensino médio e conseguiram notas boas para entrar nas vagas destinadas às cotas. Num país onde a maioria da população não conclui o ensino médio, isso é uma elite.

Há estudos demonstrando que os negros são praticamente expulsos do sistema educacional.

Esse argumento vale para todos os pobres. É uma falsificação usar a palavra negro como sinônimo de pobre.

Não acha que a universalização de serviços demora e que medidas emergenciais são válidas?

Esse mito é difundido por quem não quer aplicar políticas efetivas para a melhoria dos serviços. Basta olhar a experiência dos países asiáticos para ver que o argumento é falso.

O senhor não vê discriminação racial no Brasil?

Em todas as partes do mundo encontramos pessoas discriminadas por etnia, cultura, religião, e isso deve ser sempre combatido. No Brasil não temos racismo popular, movimentos racistas de massa, como nos Estados Unidos e na França. Mas isso pode mudar, se os projetos forem aprovados no Congresso. Se você transforma o conceito de raça num conceito legal, conferindo direitos jurídicos vinculados à raça, aí você cria o racismo popular. Isso significa que, na disputa por um emprego, negros e brancos pobres vão se ver como inimigos, em função da cor da pele. Essas políticas tendem a gerar uma divisão profunda entre os brasileiros. São uma fonte de racismo.