Título: Manifesto acirra debate sobre cotas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2006, Nacional, p. A12

O documento com 114 assinaturas entregue quinta-feira no Congresso com argumentos contrários às teses de reservas de cotas raciais e ao Estatuto da Igualdade Racial teve um duplo efeito: reacendeu o debate sobre os caminhos para corrigir as desigualdades sociais no País e abriu o caminho para a polarização em torno do assunto no meio acadêmico. Segundo observações do cientista político Luiz Werneck Vianna, do Insituto Universitário de Pesquisas (Iuperj), o assunto é considerado muito sensível e até agora só tinham sido ocorrido manifestações isoladas.

Essa foi a primeira vez que um grupo de intelectuais e militantes de organizações sociais se manifesta de maneira conjunto e com termos tão contudentes. O texto que subscrevem alerta que, em vez de eliminar o racismo, as leis propostas podem ter efeito contrário, acirrando a intolerância. Em vez de cotas, eles propõem que a melhoria e a universalização efetiva dos serviços públicos, para a inclusão de todos os pobres e não só de alguns grupos.

Na Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, onde se articula o movimento pela aprovação dos projetos em tramitação no Congresso, a manifestação dos intelectuais e militantes foi vista com reservas. De acordo com a ministra Matilde Ribeiro, eles ajudam a lançar luzes sobre a realidade, mas passam longe do cotidiano vivido por negros e índios, vítimas de séculos de exclusão. Na opinião dela, não se combate a exclusão apenas com a universalização dos serviços. São necessárias ações afirmativas que funcionariam como uma ponte de emergência para os que estão em piores condições entre os excluídos.

O estatuto é polêmico. No mercado de trabalho, destina 20% das vagas para negros no preenchimento de cargos em comissão e assessoramento de nível superior da administração pública. Prevê ainda ampliação dessa meta até a correspondência da estrutura demográfica de raças em escala nacional (próxima de 50%) no caso do governo federal. Na área de educação, reserva 50% das vagas nas universidades federais para alunos que fizeram todo o ensino médio em escolas públicas.

Nos meios de comunicação, impõe a apresentação de imagens de pessoas afro-brasileiras em proporção não inferior a 20% dos figurantes. As peças publicitárias também devem garantir participação não inferior a 20% de afro-brasileiros.

O tom dos debates tende a subir, diante da preocupação com os efeitos que a lei pode ter no cotidiano dos brasileiros. "Corre-se o risco de dividir a Nação brasileira entre brancos e negros", diz a antropóloga Yvonne Maggie, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que foi ao Congresso entregar o documento. Do outro lado afirma-se que o risco é outro: o de manter negros e índios com menos oportunidades nas universidades e no mercado de trabalho.