Título: EUA aprovam vacina contra HPV
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2006, Vida&, p. A19

Gardasil, da Merck, já está disponível lá e pode chegar ao Brasil até o fim do ano. A cientista Luisa Villa fala sobre seus efeitos

A primeira vacina contra o papiloma vírus humano (HPV) foi aprovada ontem nos Estados Unidos pela agência regulatória FDA. A Gardasil, do laboratório Merck Sharp & Dohme, combate os tipos de HPV que respondem por 70% do casos de câncer de útero e 90% das verrugas genitais. No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), serão 19.260 novos casos de câncer de colo de útero neste ano. Trata-se do segundo tipo de câncer mais comum entre mulheres, atrás do de mama. No México, a vacina chegou há apenas uma semana. O laboratório também entrou com pedido de aprovação na União Européia e em mais seis países, incluindo o Brasil - a expectativa do fabricante é que a Gardasil seja aprovada aqui ainda neste ano.

A cientista Luisa Lina Villa, de 55 anos, do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, em São Paulo, é uma das principais pesquisadoras da vacina - na fase 2 de pesquisa, por exemplo, ela foi a única da América Latina a participar do trabalho. Veja trechos da entrevista que ela deu ao Estado sobre os efeitos da vacina, da resistência de ONGs ao produto e sobre o vírus, ao estudo do qual ela vem se dedicando há mais de 20 anos.

Em quanto tempo a vacina deverá chegar ao mercado americano?

Imediatamente. A Merck tem estoque de vacina capaz de abastecer os Estados Unidos e outros países também.

Ela serve para a prevenção de quais tipos de vírus?

A vacina foi desenvolvida para combater HPV tipos 16 e 18, que respondem por 70% dos casos de câncer de colo de útero e HPV tipos 6 e 11, que respondem por 90% das verrugas genitais. A vacina impede 100% de pré-cânceres cervicais (colo do útero) e cânceres cervicais não invasivos relacionados com o vírus dos tipos 16 e 18.

Para qual faixa etária ela é foi indicada nos EUA?

Para mulheres de 9 a 26 anos de idade. A aplicação será feita em três doses. A segunda é dada dois meses depois da primeira. A terceira, após seis meses da dose inicial.

Por que bebês não podem tomar?

Não temos dados de pesquisa em bebês, mas estou incentivando que ocorram estudos nesse sentido, já que a adesão seria muito mais eficaz. Adolescentes, principalmente, resistem a vacinas. Por enquanto afirmamos que não seria indicado e não pela vacina em si. Mas, sim, porque ainda não sabemos se a vacina seria eficaz por um tempo tão longo, até o início da vida sexual.

Qual é o tempo de imunização?

De cinco anos, pelo menos. Só dados futuros de acompanhamento contínuo com pacientes poderão determinar a necessidade de dose de reforço.

Ela tem efeitos colaterais?

Sim, mas só do adjuvante, o hidróxido de alumínio (composto que turbina o sistema imune, usado em várias vacinas). Por exemplo, febrícula, dor de cabeça, dor local, a pele fica quente e o braço incha um pouco. Cerca de 85% das voluntárias relataram esses incômodos. Depois de uma dia, os sintomas desaparecem.

Como o HPV é transmitido?

O HPV pode estar não apenas na região genital, mas também nas proximidades dessa região. Não precisa ter sexo com penetração para haver contaminação. Qualquer tipo de contato, mesmo oral, pode ser transmitir o vírus HPV, desde a relação sexual, como também o manuseio da parte genital e por meio de vibradores.

Mesmo quem usa camisinha pode se infectar, então?

Sim. Não há estudos que definam uma quantificação, mas alguns dizem que ela protege 50%. Há quem diga que é um pouco mais.

Já houve algum tipo de resistência à vacina por causa de sua indicação?

Essa vacina vem com um estigma. Principalmente nos Estados Unidos.Logo que foram divulgados os primeiros estudos, surgiram ONGs e grupos religiosos dizendo que ela promoveria o sexo. Outros propagandearam a abstinência e a monogamia como forma de se prevenir contra a doença.

Mas a monogamia não pode ser uma forma de prevenção ao HPV?

Devo reconhecer que em comunidades monogâmicas o risco é menor. Mas não total. Em populações muçulmanas que pregam monogamia estrita para ambos os sexos (e que eles sejam circuncidados, pois o prepúcio aumenta o risco do vírus no pênis), a incidência de câncer de colo do útero é baixa, de 5 para cem mil. A taxa de câncer entre meninas que não tiveram nenhum tipo de experiência sexual é de menos de 0,01%.

Qual a importância do papanicolau (exame que detecta entre outras coisas o HPV) na prevenção do câncer de colo de útero?

Nos países desenvolvidos em que mais de 70% das mulheres realizam o exame a incidência anual é de 1 a 10 casos por 100 mil mulheres. Países sem bons programadas de incentivo à realização do papanicolau, como Brasil, China e alguns africanos, as taxas anuais são de 20 a 50 casos por 100 mil.

Qual o porcentual de realização do exame no Brasil pago pelo SUS?

Muito ruim, de 15%, no máximo. O País até pode fazer 30 milhões de exames, mas são as mesmas mulheres que fazem o exame regularmente.

Qual deve ser a freqüência do exame?

De dois a três testes por ano para assegurar-se de que são de fato negativos. O teste não é totalmente eficaz. A chance de um falso negativo é de 50% e esse é um dado mundial.