Título: Milícia somali abre diálogo com governo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2006, Internacional, p. A17

Senhores da guerra deixam refúgio e seguem para Mogadiscio para lançar um contra-ataque

Os guerrilheiros islâmicos que tomaram na segunda-feira o controle de toda a capital da Somália, Mogadiscio, após três semanas de sangrentos combates, iniciaram ontem um diálogo com o governo interino respaldado pelas Nações Unidos.

O débil governo, formado em 2004 e afetado por disputas internas, nunca chegou a entrar na capital por causa dos combates entre as milícias islâmicas e os senhores da guerra. Está instalado na cidade de Baidoa, cerca de 250 quilômetros a noroeste de Mogadiscio.

Dois ministros do governo interino se reuniram ontem com os representantes da União das Cortes Islâmicas, disse o porta-voz governamental, Abdirahman Nur Mohamed Dinari, sem revelar detalhes das conversações.

O crescente poder das milícias islâmicas, suspeitas de terem ligação com a rede Al-Qaeda, despertou o temor de que a Somália transforme-se em um refúgio para o grupo terrorista de Osama bin Laden. A União de Cortes Islâmicas anunciou na terça-feira que pretende instaurar um regime islâmico na Somália.

Nas últimas semanas, os combates em Mogadiscio e em outras partes do país deixaram pelo menos 330 mortos, a maioria civis. Funcionários americanos confirmaram, sob a condição de permanecerem no anonimato, que os Estados Unidos têm cooperado com os senhores da guerra na luta contra as milícias islâmicas. Em uma carta enviada a governos ocidentais, a liderança da União das Cortes Islâmicas disse que o governo americano tem parte da culpa pelo derramamento de sangue.

Segundo moradores da cidade de Jowjar, os senhores da guerra deixaram seu refúgio e avançavam ontem para a capital para lançar um contra-ataque. Os moradores disseram que os senhores da guerra, reforçados por aliados, movimentaram-se para posições ao sul de Balad, ocupada pelas milícias islâmicas.

Os senhores da guerra controlaram Mogadiscio pelos últimos 15 anos, mas recentemente dominavam apenas uma parte da cidade. Sua derrota em Mogadiscio representa um duro revés para o governo americano em meio à contínua violência sectária no Iraque e do aumento dos ataques de rebeldes taleban no Afeganistão.

As fortemente armadas milícias islâmicas aumentaram sua influência em toda a Somália nos últimos anos, ocupando um espaço deixado pela falta de um governo central desde 1991, quando os senhores da guerra derrubaram o ditador Mohamed Siad Barre. A União das Cortes Islâmicas é formada por líderes religiosos que têm defendido o islamismo (predominante na Somália), como único meio de reverter o declínio do país para a anarquia.

"Temos enfrentado uma guerra tão longa e estamos cansados", disse Mohamed, um professor de 32 anos. Mas, segundo Mohamed, ele e outros temem que as cortes islâmicas possam impor uma forma radical de islamismo - como a que o movimento Taleban impôs no Afeganistão antes de ser deposto em 2001 por uma força internacional liderada pelos Estados Unidos.

Analistas não ficaram surpresos com o avanço das milícias. "Os islâmicos criaram um senso de estabilidade na Somália, forneceram educação e outros serviços sociais, enquanto os senhores da guerra mutilaram e mataram civis inocentes", disse Ted Dagne, analista do Serviço de Pesquisa do Congresso dos EUA.