Título: O fim do terrorista não resolve, mas ajuda
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2006, Internacional, p. A14

Zarqawi foi morto: enfim, uma boa notícia chega do Iraque. Confirmado (depois de muita hesitação) por Osama Bin Laden na categoria de chefe da Al-Qaeda no Iraque, Zarqawi ficou famoso pela sua astúcia, seu carisma e sua audácia. E também pela sua infâmia. Não contente de enviar jovens árabes para a morte em atentados suicidas, ele próprio realizava as mais repugnantes tarefas. Tinha um enorme prazer em decapitar reféns ocidentais.

No plano moral, a morte desse carniceiro só pode mesmo ser saudada com alívio. Além da sua crueldade, Zarqawi tinha um papel relevante no caos iraquiano. Resta saber se a morte contribuirá para um retorno da calma. É duvidoso. É bom lembrar que os americanos acreditavam que as desordens haviam acabado no dia em que seus soldados agarraram o ditador Saddam Hussein em seu esconderijo. Tolice! O que se viu foi o inferno. E no caso da Al-Qaeda o que se observa é que a morte de um de seus chefes não derruba o movimento.

Usando seu talento, Bin Laden conseguiu mudar o foco das rebeliões contra este ou aquele tirano para uma revolta global, mundial, universal. Para atingir esse objetivo forjou uma arma sem precedentes na história, ou seja, nenhum Estado, nenhum território, nenhuma fronteira. Uma hierarquia vaga e completamente descentralizada. Uma estrutura maleável. A vantagem da Al-Qaeda está no fato de que, uma vez montada e ativada, essa mecânica mortal funciona sozinha. Pior: pode se reproduzir, criar clones, desenvolver ramificações, escolher seus alvos sem ajuda do chefe supremo e armar suas próprias matanças.

Esta é a estratégia da "Hidra de Lerna", a serpente da mitologia grega e latina com cem cabeças e cada cabeça, quando era decepada por Hércules, desabrochava de novo. Hércules só conseguiu liquidar a serpente depois de queimar todas as cabeças e enterrar a cabeça central sob um enorme rochedo.

Em Paris, como em Londres ou Washington, se de um lado há um contentamento, de outro ninguém acha que o incêndio agora vai ser extinto. Mesmo a morte do próprio Bin Laden não colocaria um fim no terrorismo. Em compensação, no plano psicológico e político, o desaparecimento de Zarqawi pode ter algumas conseqüências. Bin Laden, há cinco anos, e Zarqawi há três, desafiam o Exército mais poderoso do mundo. Proeza que entusiasma os islâmicos.

Isso teve um efeito político. Como a maioria dos líderes terroristas, Zarqawi fez o seu curso no Afeganistão lutando contra os soviéticos, nos anos 80, época em que o jovem Bin Laden criou a Al-Qaeda. Os dois homens não se davam bem. Bin Laden, filho de família rica, não esconde seu desprezo por quem considera um tipo vagabundo, vulgar , mal-educado, desordeiro e tatuado.

Além disso, seus objetivos de guerra não são os mesmos: Bin Laden quer atacar o Ocidente e os povos árabes cúmplices dos EUA. A obsessão de Zarqawi, jordaniano de origem, é atacar Israel, em primeiro lugar, e no âmago do Islã, os xiitas.

Com efeito, no Iraque, Zarqawi matava muçulmanos xiitas. Para eles, reservava seus ataques mais sórdidos, suplícios, o desdém. Na sua opinião, o melhor meio de salvar o Iraque do horror ocidental seria desencadear uma guerra civil entre xiitas e sunitas.