Título: Ricos não abandonam trincheiras e discussão na OMC não avança
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2006, Economia & Negócios, p. B6

A Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) sucumbiu a uma nova crise. No final da noite de ontem, o primeiro dia de negociações oficiais dos pré-acordos sobre os capítulos agrícola e industrial, a possibilidade de acerto fracassou por conta das posições entrincheiradas dos sócios mais poderosos da entidade. Seguindo rigidamente a instrução do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, os negociadores americanos não alteraram um milímetro a oferta, de outubro passado, de redução de 60% nos subsídios concedidos a seus agricultores.

A União Européia (UE), apesar dos sinais de que poderia aceitar um corte maior em suas tarifas agrícolas, de até 51%, manteve sob sigilo como pretende tratar as exceções a essa regra. À noite, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, reuniu-se novamente com os ministros dos países mais relevantes da organização, o chamado G-6 (EUA, UE, Japão, Brasil, Índia e Austrália).

Desta vez, no entanto, não era mais para tratar de questões substantivas dos pré-acordos. O objetivo era lidar com alternativas para salvar a Rodada, como a possibilidade de outras reuniões ministeriais ainda em julho. A decisão deverá ser apresentada oficialmente hoje aos representantes dos 149 países, reunidos no Comitê de Negociações Comerciais.

"Não existe saída de honra. Só existe saída real. Ninguém quer salvar a face. Ou a gente consegue ou não consegue", afirmou o ministro das relações Exteriores, Celso Amorim, ao final do encontro. "Há consciência que a Rodada é algo tão importante e que vai requerer um esforço adicional para fechar em julho. O que noto, em relação a outras experiências, é que desta vez há disposição de continuar negociando."

Amorim insistiu que, neste momento, "ninguém está pensando em um plano B para a Rodada Doha, todo mundo está no plano A." As negociações, no seu ponto de vista, podem ser impulsionadas com uma atitude mais pró-ativa de Lamy, com consultas e apresentação de hipóteses aos parceiros.

O fracasso estava anunciada desde cedo. Ao abrir o encontro, Pascal Lamy alertou que, se não houvesse rapidamente mudança nas posições assumidas nas próximas horas ou dias, a Rodada Doha acabaria em fracasso.

"Eu tenho dificuldades de ver qualquer avanço nessa etapa das negociações. Mas isso não vai me desencorajar", reagiu Amorim no fim da tarde.

TRINCHEIRA Os EUA mantiveram-se entrincheirados, até a noite de ontem, em sua proposta. Exposta tardiamente, apenas na quinta-feira, a indicação da UE de que poderia avançar na questão de acesso a mercados não chegou a criar a "dinâmica necessária" para fazer Washington movimentar-se um pouco mais, segundo observou Amorim.

À imprensa, o secretário americano de Agricultura, Mike Johanns, questionou os limites da nova proposta da UE sobre a abertura de seu mercado agrícola, que ainda não foi concretamente posta sobre a mesa. Nesse ponto, os EUA e o Brasil convergem suas posições. Sem ter noção clara desse tópico, não há como saber o grau de liberalização real ofertado pelos europeus.

Na tarde de ontem, uma nova reunião foi convocada pelos americanos para discutir pontualmente o tratamento aos produtos sensíveis e especiais e as salvaguardas que estão previstas como exceções no capítulo agrícola. Os europeus mantiveram-se imóveis em sua trincheira. Nada detalharam.

"Há ainda lacunas nesse posicionamento. Eu não sei, você não sabe e ninguém pode determinar o que significa acesso a mercado agrícola se não é dito nada sobre quantidade e tratamento aos produtos sensíveis e às salvaguardas especiais. Sem esses pontos, nada avançará", afirmou Johanns.

O secretário enfatizou que há "ignorância" sobre a "realidade do programa agrícola americano" e da oferta posta sobre a mesa de negociações em outubro passado. Conforme defendeu, o corte de 60% nos subsídios da chamada "caixa amarela", que inclui aqueles considerados distorcidos ao comércio internacional, significará uma redução de US$ 19 bilhões para US$ 7,6 bilhões anuais. "Acredite: é um corte real, que vai direto ao coração do nosso programa agrícola", insistiu.

Aliados à UE nessa questão, os negociadores do Brasil argumentam que os cortes estão superestimados. Nas contas dos negociadores brasileiros, a proposta americana realmente derruba a caixa amarela para US$ 7,6 bilhões, como está na proposta americana.

Mas permitirá ainda a concessão de mais US$ 14,9 bilhões em outros programas de subvenção. Total: US$ 22,5 bilhões. A União Européia e o G-20 pretendem que esse valor chegue a US$ 12 bilhões, no máximo.

NOVA CHANCE O fracasso na conclusão dos pré-acordos reforça a aposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma discussão política sobre a Rodada Doha na reunião do G-8, em São Petersburgo, neste mês.

No encontro, o Brasil e outras economias em desenvolvimento terão participação parcial. Há cerca de dez dias, pela primeira vez, Lula recebeu um sinal de que Bush poderia aceitar essa discussão, caso as reuniões deste final de semana em Genebra fracassassem.

Essa segunda chance de acerto, no nível mais alto dos governos, daria alguma chance para a conclusão de todos os pré-acordos da Rodada até dia 30.

Todo esse esforço tem o objetivo de permitir a aprovação do acordo final no Congresso americano até 1º de julho de 2007. Se cruzar essa linha, o acordo final da Rodada Doha provavelmente terá de ser reaberto.