Título: "Os presos tratam o Marcola que nem Deus"
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2006, Metrópole, p. C5

O diretor-geral da Penitenciária de Araraquara, Roberto Medina, é contra a reposição de colchões para os 1.453 presos que continuam a dormir no chão da cadeia. Não por ser cruel, mas disciplinador. Foram 2 mil colchões queimados durante duas rebeliões na penitenciária. "E podem queimar de novo. Eu não acho justo mandar colchões agora. Deita no chão por enquanto."

Quando chegou em Araraquara, a penitenciária estava velha. Mandou pintar as paredes, comprou fornos novos, construiu um lago no jardim e colocou animais para os presos criarem. Em três dias de quebra-quebra, viu dois anos e meio de trabalho jogados fora. O Primeiro Comando da Capital (PCC), que tem cerca de 200 integrantes entre 1.500 presos, está por trás dos atos. "Os não filiados seguem as ordens para não morrer. Mas os presos estão ficando com bronca. As ações do PCC acabam prejudicando a maioria."

Como começou a confusão na Penitenciária de Araraquara?

Começou com a transferência para Presidente Venceslau de vários líderes do PCC. Na penitenciária de Araraquara, nós identificamos 22, que foram para Presidente Venceslau. Os principais eram Marcolinha (Robson Lima Ferreira, primo de Marcola), o Biroska (Edilson Borges Nogueira) e o Gugu (Fabiano Alves de Souza). Mas tem um monte. Quando saíram, falaram para gente: 'vocês vão ver o que vai acontecer'.

Como foi a rebelião?

Na primeira, no dia 13 de maio, eles só não destruíram os pavilhões onde moram. Encheram as galerias de colchões para fazer barricadas. Quando viram que a polícia ia invadir, tacaram fogo. No meio dos colchões, jogaram um tubo de oxigênio do hospital. É coisa de Deus... A gente estava no escritório e os presos, do lado de fora. Tacaram fogo, o bombeiro veio e não conseguiu apagar. Pediram para a gente sair. Na hora em que saímos, explodiu o cilindro de oxigênio. Levou a parede com tudo pra frente, voou lá fora. Por pouco nós não morremos, bombeiros, polícia...

E o segundo motim?

Foi o grosso da destruição. As 500 celas dos presos ainda estavam inteiras. A gente estava limpando a cadeia. As lideranças já haviam sido transferidas, mas surgiram outras. Estava almoçando e me passaram no rádio: 'güentaram' a cadeia. A única reivindicação era a de cinco telefones para a P2 de Venceslau, para eles conversarem com os líderes. E a entrada da advogada Ariane dos Anjos, a advogada do Marcola. Nas celas, havia mesas, camas de concreto. Eles arrancam esses objetos e vão quebrando o que tem na frente. Arrancaram todas as portas das celas, vasos sanitários, arrancaram tudo.

Quantos participaram?

Foram 1.500 pessoas. Todos. Quem não vai, morre. Mesmo contra a vontade, participa, para não morrer. Acabamos com a invasão só quando chegou a tropa de choque . No domingo passado, eu tive informação de que ia haver um resgate. Acionei a PM e fizemos uma campana para impedir. No outro dia , eu entrei com a tropa de choque e encontramos o túnel que já estava pronto para eles fugirem. Só não houve o resgate porque atuamos na noite anterior. Por isso, interditamos outro pavilhão e os presos tiveram de se espremer.

Quem liderou a rebelião, pois os cabeças já haviam sido transferidos?

Foram novas lideranças. Elas vinham negociar, reivindicar, detectamos na hora. O cara que recebeu o 'salve' para quebrar a cadeia tem o vulgo de Neguinho. É o Valdemar Coutinho Magalhães. Ele recebeu o salve da Libânia (Catarina Fernandes Costa), advogada do PCC. Apareceram também o John e o Fabinho, que morreu na fuga de Franco da Rocha nesses dias. Tivemos de mandar mais 25 líderes para o CRP.

Foi um choque para a sociedade ver a situação dos presos em Araraquara. O que aconteceu?

O problema é que nós não tínhamos opção. A penitenciária foi inteiramente destruída. Não tinha porta nem janela. Eu não sabia nem o que fazer quando vi a penitenciária toda destruída. Onde nós vamos pôr esses caras agora? Não tem onde pôr. O CDP estava destruído. Vamos ter de trancar no CDP, onde tem chapa de aço. Dividimos os presos nesse pavilhão.

Como vocês comunicam essas decisões aos presos?

Nessa situação, não dá. Eles vão porque a polícia leva. A tropa de choque dominou o presídio. A única opção ali era levarmos os presos para lá. A princípio, eles foram de cuecas. Começaram então a pedir coberta e outras coisas e nós fomos revistando e passando para eles. Estava frio. Ficamos o dia inteiro revistando cobertas, roupas e mandando para eles. Não tinha como fazer diferente. Eram 1.500 blusas, 1.500 cobertas. Nós ficamos loucos, revistando a noite inteira.

Hoje como está o PCC na penitenciária de Araraquara?

Ainda tem bastante PCC. Eles querem que eu saia. Eu mandei dez cabeças deles para o CRP de Bernardes, entre eles o Marcola . Uma fonte havia me dito que tinha quatro armas e ia haver aqui o resgate. Eu peguei. Sempre combati e as lideranças têm essa bronca.

É possível acabar com o PCC?

É difícil, mas não impossível. Eles estão muito estruturados. O Marcola esteve preso aqui. Os presos tratam ele que nem Deus. Os caras veneram, tudo é o cara. Ele é culto e inteligente e tem uma liderança muito grande entre os presos. Atendia a ele sempre. É educado e geralmente fazia demandas para benefícios pessoais. Nunca veio falar de PCC comigo. Ele é esperto e manda outros para tratar do assunto. Atendia a todos, Biroska, Gugu, Marcolinha, se eles pedissem. Individualmente, dava para conversar normalmente. Eles pediam atendimento direto - para falar de problemas de outros presídios. Faziam reivindicações, dizendo que nos CDPs estavam maltratando presos. Essa conversa que a gente sabe que é até mentira. Pediam que passasse essas informações para a secretaria. Era quase o papel de representante sindical.