Título: Cúpula fica com 15% do dízimo do PCC
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2006, Metrópole, p. C5

O Primeiro Comando da Capital está executando criminosos que não pagam a contribuição mensal. A pressão para que as dívidas sejam acertadas aumentou com a decisão da cúpula de reiniciar a guerra contra o Estado. Isso porque a arrecadação da facção caiu pela metade depois dos ataques de maio. Além disso, seria necessário manter o "bicho-papão", como é chamado um dos mais bem guardados segredos do PCC: o dinheiro que abastece seus líderes.

"A cúpula explora a base para ter vida boa", diz o secretário da Administração Penitenciária (SAP), Antônio Ferreira Pinto. A polícia tem indícios de que pelo menos seis bandidos foram mortos porque não pagaram o pedágio de R$ 1 mil instituído para quem rouba e trafica drogas no Estado. Boa parte do dinheiro garante mordomias aos presos e às amantes, como carros blindados importados e roupas de grife.

Escutas feitas por diversas delegacias mostram como ocorrem as cobranças. "Eles telefonam e dizem que o sujeito vai morrer se não pagar o que deve até o dia seguinte", afirmou um delegado. As dívidas podem chegar a mais de R$ 100 mil, caso do bandido Rubão, que contraiu um "empréstimo" de R$ 118 mil com o tesoureiro da organização. A maioria dos débitos, no entanto, é de até R$ 15 mil. "Tem bandido que está sendo obrigado a roubar para pagar a organização", disse o delegado.

O aumento do valor da contribuição mensal dada à facção criminosa foi decidido no dia 22, depois de uma ordem da cúpula. Anteriormente, os criminosos em liberdade pagavam R$ 600,00 e os presos, R$ 60,00.

O reajuste foi uma das medidas tomadas pela organização quando decidiu reiniciar a guerra contra o Estado. Hoje, a estratégia do PCC é matar agentes prisionais e destruir penitenciárias. O governo sabe disso e enfrenta a facção prendendo "soldados" e utilizando a Tropa de Choque para conter rebeliões.

O pagamento das dívidas pode ser feito em dinheiro ou com a participação em ações encomendadas pela cúpula do crime organizado contra o Estado. Esse foi o caso de Renata de Melo Dias, uma das três mulheres presas pela Delegacia Seccional de São Bernardo em uma operação na qual 13 integrantes do PCC foram mortos e outros cinco, presos, no dia 26.

Renata devia R$ 10 mil à facção. Para pagar a dívida, teve de participar da ação: o assassinato de agentes do Centro de Detenção Provisória (CDP) de São Bernardo. Foi para a frente da prisão obter informações sobre os horários de mudança de turno de trabalho e os pontos de ônibus usados pelos agentes.

"A maioria dos participantes desses ataques é quem está devendo para o PCC", afirmou um delegado do Departamento Estadual de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic). O problema de usar esses soldados para ataques é que eles são responsáveis por boa parte da receita com roubos de carga e tráfico de drogas. Assim, com a prisão ou morte deles, caiu a capacidade financeira do grupo.

Nas prisões, o pagamento das mensalidades atrasadas pode ser feito de outra forma. Um preso, por exemplo, pode ser obrigado a mandar um parente levar no dia de visita a droga que a facção quer vender na prisão ou celulares. "Os chefes jamais colocam parentes nessas atividades", disse Ferreira.

BICHO-PAPÃO

As investigações sobre as finanças do PCC levaram a uma nova descoberta. Trata-se de um segredo conhecido por poucos na facção, que se esconde sob o sugestivo nome de bicho-papão: o dinheiro que sustenta a cúpula. A existência de um caixa destinado à chefia do PCC foi identificado pela polícia em julho de 2005, quando o Deic apreendeu a contabilidade do PCC em mãos de Deivid Surur, o DVD, tesoureiro da organização.

No caderno com as contas de quase um ano de venda de drogas e de arrecadação da mensalidade dos soldados da organização, havia rubricas "bicho p." e "bicho-papão". Em setembro de 2004, a liderança da facção ficou com 15% do total arrecadado com mensalidades no Estado. De R$ 214 mil que entraram no caixa, R$ 34 mil tinham ao lado a anotação "bicho p.".

"Esse dinheiro serve para a compra de roupas e tênis de grifes, além de bancar as mulheres dos líderes", disse um delegado do Deic. Marcos Camacho, o Marcola, líder da facção, tem predileção pelos tênis importados. Por isso ganhou o apelido de Playboy. A polícia tem informações de que a amante de um integrante da cúpula comprou um Audi blindado e mora num condomínio de luxo.

Em junho de 2005, DVD registrou na contabilidade que a facção tinha R$ 397,6 mil para receber de "bicho-papão interno". Já o "bicho externo" contava receber R$ 403 mil, parte "em mercadoria, com a venda de 12 peças", o que para a polícia é uma menção à venda de drogas. "O grande negócio do PCC é o dinheiro. Só o dinheiro", disse o delegado do Deic.