Título: Inflação e política social
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2006, Notas e Informações, p. A3

O mês começou com duas boas notícias sobre o primeiro semestre. A produção industrial cresceu de forma consistente, apoiada principalmente na demanda interna, e a inflação foi mantida sob controle. De janeiro a junho, o IPCA subiu 1,59%, metade da variação registrada um ano antes, de 3,16%. Os dois fatos estão claramente relacionados. De janeiro a maio - último dado disponível - a produção de bens de consumo semiduráveis e não-duráveis foi 3% maior do que no período correspondente de 2005. Isso se explica principalmente pelo aumento da renda real dos consumidores, e esse aumento resultou, em boa parte, da contenção dos preços. Inflação em baixa é um fator de valorização dos salários.

A política antiinflacionária foi a ação social mais eficiente do atual governo. Foi também a política mais combatida pelos petistas fiéis à linha tradicional do partido. Para executá-la, o Banco Central encontrou resistências no primeiro escalão do Executivo e até no gabinete presidencial. Mas seu êxito é inegável e seu efeito imediato é visível no aumento do consumo de produtos básicos. Sendo o mais prejudicado pela alta geral de preços, o pobre é também, normalmente, o mais beneficiado pela terapia antiinflacionária.

O mercado financeiro acompanha com atenção especial a evolução do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado pelo governo como referência para a política de metas de inflação. Nos 12 meses terminados em junho, esse indicador subiu 4,03%. Ficou abaixo, portanto, do centro da meta fixada para este ano, de 4,5%. Será uma grande surpresa se essa tendência não se mantiver até dezembro. Por isso, consultores econômicos e analistas do setor financeiro já projetam para 2006 uma inflação abaixo da meta. Há, portanto, espaço para novos cortes da taxa básica de juros. Também esse é um dado animador para quem deve planejar a produção. Acima de tudo, é um estímulo a mais investimentos para a expansão da capacidade.

Outros indicadores do custo de vida também têm evoluído de forma favorável. No primeiro semestre, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), medido pela Fipe em São Paulo, ficou quase estável, com aumento de apenas 0,1%. No mês de junho, essa pesquisa indicou deflação de 0,31%, ocasionada principalmente pela redução dos preços agrícolas e dos combustíveis.

A evolução dos indicadores abriu espaço, neste ano, para a redução de tarifas de serviços de utilidade pública, numa inversão da tendência observada por muitos anos, desde a negociação de concessões na década passada. Essa novidade resulta, em grande parte, da contenção dos preços por atacado, elementos importantes na indexação de tarifas administradas.

Os avanços na política antiinflacionária não ocorreram de um mês para outro. Têm resultado da ação persistente do Comitê de Política Monetária (Copom), formado por diretores do Banco Central. Pode-se discutir se o mesmo resultado não seria alcançável com uma política de juros mais branda. Dirigentes do Banco Central contestam essa hipótese e a discussão não está encerrada. Mas dois pontos parecem bem claros, nesta altura: primeiro, com ou sem exagero na dose, o Copom produziu resultados muito importantes no combate à alta de preços, comprovando a eficiência de uma política sem truques e sem distorções do sistema de preços, e, segundo, um controle mais efetivo do gasto público teria permitido frear a inflação com uma política de juros menos severa.

Sejam quais forem as críticas à orientação do Copom, ninguém pode negar-lhe o mérito de ter cumprido seu papel principal. Esse papel consiste em defender o valor da moeda. Dito de outra forma, a função básica da autoridade monetária é preservar o poder de compra do dinheiro e, portanto, proteger o orçamento das famílias.

Se o Executivo tivesse mostrado igual empenho na administração de suas contas, teria sobrado mais dinheiro, no Tesouro, para financiar a promoção do crescimento econômico, a formação de capital humano e a geração de empregos. Os efeitos sociais dessa política seriam muito mais amplos e mais sustentáveis que os benefícios de qualquer programa assistencialista. Tolerância à inflação não é política social e quanto a isso o Banco Central está certo. Falta o resto do governo fazer sua parte.