Título: A atuação do CNJ
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2006, Notas e Informações, p. A3

Após ganhar autoridade e respeitabilidade com duas iniciativas de grande repercussão institucional - a proibição da contratação de parentes de juízes para ocupar cargos de confiança ou comissionados e o estabelecimento de um teto para os vencimentos da magistratura - , o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem concentrando sua atenção em temas menos explosivos, no plano político, mas importantes para descongestionar os tribunais e torná-los mais eficientes.

Uma das principais decisões é a que propõe a extinção de diversas ações que têm o poder público como parte e que envolvem valores irrisórios. Em muitos Estados, os tribunais estariam sendo utilizados por órgãos da administração direta para cobrar dívidas de até R$ 70. O problema dessas ações é que, além de congestionar a Justiça estadual, atrasando a tramitação dos demais processos, afetam as finanças públicas, em termos de gastos com papel, custos com serventuários e perda de tempo. São processos que acarretam mais prejuízos do que ganhos para o poder público.

A decisão mais recente do CNJ foi solicitar aos Tribunais de Justiça (TJs) de todo o País que estudem a possibilidade de criar câmaras ou turmas especializadas para julgar os recursos mais recorrentes a eles encaminhados. Tomada uma semana depois da recomendação para que os juizados especiais cíveis estimulem a conciliação nas ações decorrentes de relações de consumo, a iniciativa do CNJ tem por objetivo induzir a segunda instância da Justiça estadual a se estruturar nos moldes da primeira instância, que hoje conta com varas específicas em matéria de direito tributário, comercial, família, sucessões, infância e juventude e outros temas recorrentes.

Originariamente, a idéia dos 15 conselheiros do CNJ era impor uma nova estrutura funcional aos TJs, por meio de uma resolução. No entanto, como as ações mais recorrentes variam conforme as especificidades sociais e econômicas de cada unidade da Federação e como o número de desembargadores varia de tribunal por tribunal, o órgão pediu a cada corte que apresente um levantamento estatístico das ações que nela tramitam com maior freqüência.

Para se ter idéia do alcance dessa medida, o Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior do País, atualmente tem 351 desembargadores, divididos em três seções: direito público, direito privado e direito penal. Mas, como essas áreas são excessivamente amplas e os litígios a elas encaminhados são cada vez mais especializados, esses magistrados são obrigados a julgar matérias complexas bastante distintas entre si. E, como nem sempre têm formação específica em cada uma delas, a cada novo processo que recebem eles têm de estudar a doutrina e pesquisar a jurisprudência, o que leva tempo e acaba retardando os julgamentos.

Em vários países europeus cuja ordem jurídica descende do direito romano-germânico, o mesmo que está na origem do sistema legal brasileiro, a saída encontrada para agilizar a tramitação das ações, descongestionar os tribunais e permitir um tratamento técnico a questões específicas foi multiplicar o número de câmaras ou turmas especializadas na segunda instância, a exemplo do que já ocorre na primeira. A implementação dessa medida exigiu uma reforma radical nas escolas de magistratura, obrigando-as a substituir os tradicionais programas generalistas por currículos especializados e de caráter interdisciplinar.

Com isso, alguns desembargadores da seção criminal passaram a lidar somente com direito penal econômico, enquanto outros se limitam ao julgamento de crimes contra a vida e contra o patrimônio. No campo do direito privado, alguns magistrados tiveram de se reciclar para cuidar de questões relativas à tecnologia e à bioética; outros foram obrigados a estudar administração e contabilidade para poder aplicar as sofisticadas leis societárias e falimentares editadas após a globalização da economia.

Para um país em que são protocolados milhões de novas ações a cada ano, as propostas de reforma dos congestionados TJs formuladas pelo CNJ são decisivas para que a Justiça estadual, encarregada de julgar os litígios mais corriqueiros da sociedade, possa se converter numa eficiente prestadora de um serviço essencial.