Título: Perdendo em casa
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2006, Notas e Informações, p. A3

Enquanto o governo brasileiro continua a esperar os resultados da parceria estratégica que imaginou ter estabelecido com as autoridades da China, o gigante da Ásia avança cada vez mais sobre os mercados mundiais, deles afastando todos os concorrentes, mesmo os que se imaginam seus parceiros. Ao contrário do brasileiro, o governo chinês não age com base em ilusões diplomáticas.

No comércio externo, suas ações têm como característica o pragmatismo. O resultado é que os produtos chineses vão ocupando espaço antes dominado pelos brasileiros. E isso vem ocorrendo em mercados nos quais a presença de produtos brasileiros parecia firmemente estabelecida, como o doméstico e o da Argentina.

O fenômeno não é novo e, por isso, não poderia ter sido ignorado pelos responsáveis pela diplomacia comercial do governo Lula antes que este se comprometesse - com uma generosidade que não levou em conta o interesse nacional - a reconhecer a China como um país com economia de mercado. Por causa das intervenções do Estado na economia e da pouca transparência na formação dos preços na China, que artificialmente lhe dão grande competitividade, os países que fizeram esse reconhecimento exigiram grandes concessões em troca.

Vários estudos já mostraram que os produtos brasileiros perdem espaço para os chineses nos principais mercados, como EUA, União Européia, Japão e a região da Ásia-Pacífico. Isso ocorre até mesmo com produtos cujas exportações eram predominantemente brasileiras, como calçados. O calçado brasileiro já vinha perdendo espaço para o chinês nesses mercados, mas esse processo se acelerou. Há pouco mais de quatro anos, dos calçados importados pelos EUA, 14% vinham do Brasil e 47%, da China; hoje, só 6% são brasileiros, e os chineses respondem por 67% do total.

Em recente publicação, a empresa de consultoria abeceb.com mostrou que fenômeno semelhante ocorre com as importações da Argentina, sócia do Brasil no Mercosul. Entre 1999 e 2005, as importações de produtos chineses quase triplicaram, enquanto as de produtos brasileiros cresceram pouco mais de 80%. Em 2006, segundo projeta a empresa, as importações provenientes da China crescerão 54%, enquanto as do Brasil aumentarão 14%.

Três tipos de produtos brasileiros, que dominavam o mercado argentino, ou foram eliminados pelos chineses ou ocupam uma fatia residual. No início de 2002, o Brasil respondeu por todas as importações argentinas do setor de manganês e suas manufaturas; em 2006, a China responde por 97% dessas importações. No caso de utensílios domésticos, enquanto a participação de produtos brasileiros nas importações caiu de 77% para 19%, a dos chineses subiu de 17% para 79%. A China, que detinha 5,9% do mercado argentino de bicicletas importadas, agora domina 52,1%.

Até mesmo no mercado brasileiro se observa um rápido avanço de produtos chineses, que ocupam espaços antes dominados pelo similar nacional. De acordo com empresários brasileiros do setor de máquinas e equipamentos, os produtos chineses já ocupam metade do mercado doméstico. No ano passado, ocupavam de 20% a 40% desse mercado. O dólar barato estimulou as importações. A conjuntura favorece o avanço do produto chinês no mercado brasileiro. Mas nenhum exame realista do dinamismo das exportações chinesas pode se limitar a questões conjunturais, por mais que estas influenciem alguns setores.

A China, como mostrou reportagem do jornal Financial Times, está mudando rapidamente a composição de suas exportações. Já domina os principais mercados de produtos baratos e agora começa a conquistar os de produtos manufaturados de maior valor agregado, de maquinário e bens industriais intermediários até produtos mais sofisticados.

Em resumo, é cada vez mais um poderosíssimo competidor de outros países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, e não hesitará em passar por cima da concorrência. Só ingênuos imaginam que um país como a China subordinará sua política comercial a algum tipo de ¿interesse estratégico¿ de características terceiro-mundistas.