Título: Veto urgente
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2006, Notase Informações, p. A3

Quanto mais depressa o presidente da República decidir sobre o projeto aprovado pelo Congresso que reabre prazo para empresas aderirem ao programa de parcelamento de sua dívida com o Fisco, melhor para o País. E a decisão não pode ser outra senão o veto do dispositivo que oferece novos benefícios a contribuintes em atraso, muitos deles inadimplentes contumazes, para não ofender o contribuinte honesto, que ao longo de sua vida, muitas vezes com sacrifícios, recolheu corretamente os tributos devidos.

O presidente dispõe de prazo até o dia 13 para decidir se sanciona ou veta, integral ou parcialmente, o projeto que lhe foi enviado pelo Congresso. Mas, à medida que se aproxima a data-limite para sua decisão, maiores têm sido as pressões de políticos e empresários para que sancione o projeto. Em ano eleitoral, esse tipo de pressão pode produzir resultados que não interessam ao País.

Procuradores da Fazenda Nacional, que têm a tarefa de cobrar pelos meios legais os tributos que os contribuintes deveriam ter recolhido aos cofres federais mas por alguma razão não o fizeram, estão preocupados com o que pode resultar para seu trabalho se, mais uma vez, for aberto um programa de parcelamento de dívidas tributárias. Dois programas desses já foram aprovados pelo governo; a aprovação de um terceiro "vai jogar no lixo seis anos de trabalho", disse ao jornal Valor a procuradora Patrícia Lessa, que, na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), chefia a Coordenação de Grandes Devedores.

Os mesmos argumentos têm sido utilizados pelos defensores desses programas pelo menos desde 2000, quando foi aprovado o primeiro deles, conhecido como Programa de Recuperação Fiscal (Refis). O segundo, que teve o nome oficial de Parcelamento Especial, ficou conhecido como Refis 2. O que se encontra sobre a mesa do presidente da República, para sua sanção ou veto, é o Refis 3. Tais programas, alegam seus defensores, abrem uma oportunidade para empresas que tiveram dificuldades para recolher os tributos devidos, mas estão dispostas a retomar o pagamento. Assim, insistem os defensores, elas podem manter ou criar empregos e assegurar receita adicional para o governo.

Algumas empresas, de fato, estão ou estavam em situações parecidas com as que os defensores da renegociação da dívida tributária descrevem e, para elas, sem dúvida, o programa foi importante e, da renegociação do débito, pode ter havido conseqüência positiva para a economia. Mas elas eram uma exceção, como mostram as estatísticas da PGFN.

Das empresas que aderiram aos dois primeiros Refis, quase 80% foram excluídas. E entre os principais motivos da exclusão estão inadimplência ou fraude. Ou seja, mesmo tendo renegociado suas dívidas em condições muito favoráveis - com o comprometimento de um fatia modestíssima do faturamento, que não passou de 1,5% -, muitas empresas suspenderam o pagamento sob a alegação de que tinham faturamento zero. Excluídas do programa, empresas como essas adotaram nova razão social e continuaram a operar, no mesmo ramo de atividade.

Outras, ainda, aderiram ao Refis para serem excluídas da lista de inadimplentes da Receita Federal. Desse modo, voltaram a ter o direito de fornecer bens e serviços para o governo e até de prestar serviços públicos sob o regime de concessão. Obtido o contrato desejado, muitas empresas deixaram de cumprir os termos da renegociação de sua dívida tributária.

Além de perdas para a Receita, programas como esse têm outro efeito ruim. Eles acabam por disseminar a cultura do calote tributário, na medida em que criam a expectativa de que, dentro de algum tempo, haverá algum benefício que compensará com folga eventuais transtornos que o não recolhimento de tributos pode ter criado, se é que para inadimplentes contumazes haja algum transtorno.

São razões mais que suficientes para o presidente vetar com urgência o projeto. Ao veto, alguns congressistas ameaçam responder com a inserção, em qualquer projeto em tramitação no Legislativo que trate de matéria tributária, do parcelamento de débitos tributários. Se isso ocorrer e outro Refis for aprovado, mais uma vez o veto presidencial terá de ser o remédio.