Título: Reação entre amigos
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2006, Nacional, p. A6

Maranhão e Delúbio sempre foram parte da mesma engrenagem partidária

As manifestações de repúdio dos velhos companheiros de Bruno Maranhão contra a invasão e a depredação na Câmara dos Deputados parecem tão sinceras quanto as várias declarações de condenação veemente, feitas ainda no quente do estouro do escândalo do mensalão, aos promotores e participantes do esquema de sustentação financeira do PT e dos partidos aliados ao governo no Congresso.

Lá como cá ressalta na cena o detalhe do sujeito oculto nas declarações oficiais do presidente Luiz Inácio da Silva. Quando aceitou falar publicamente sobre o caso, Lula apontou de maneira genérica a ocorrência de "traições" sem jamais referir-se diretamente a este ou àquele traidor.

Ao expressar condenação às ações dos sem-terra, o presidente tampouco citou nomes, manteve-se igualmente nos limites da impessoalidade.

Como se o líder não se chamasse Bruno Maranhão, não pertencesse à Executiva Nacional do PT, não tivesse proximidade de relações com o governo e seu partido, não tivesse participado mais de uma vez de solenidades oficiais, sendo a mais recente em novembro último quando, sentado ao lado do presidente da República, compartilhou mesa de reuniões com os ministros da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e da Reforma Agrária, Miguel Rossetto.

Tudo muito semelhante à defesa de investigações profundas "doa a quem doer", meses e algumas pesquisas de opinião depois transformadas em objeto de desafio por parte do presidente Lula a quem não desconforta - ao contrário, entusiasma - ver as cenas das comissões parlamentares de inquérito reprisadas no horário eleitoral gratuito.

Lá como cá, os malfeitores foram repudiados não pelo que vinham fazendo, mas porque exageraram, foram descobertos e expuseram ao risco o projeto de poder.

Delúbio Soares foi expulso do PT não porque capitaneava uma tesouraria anormalmente perdulária ou porque circulasse no mundo empresarial e financeiro pedindo recursos não contabilizados para sustentar a dispendiosa máquina eleitoral por meio da qual o seu partido pretendia multiplicar-se nas administrações públicas País afora.

Delúbio Soares foi expulso porque Roberto Jefferson - destinatário de simbólico cheque em branco e "parceiro" cujas malfeitorias também dispensavam apresentações - rompeu o código do silêncio quando percebeu que lhe abriam sob os pés o alçapão.

Bruno Maranhão da mesma forma está sendo condenado e foi afastado do cargo de direção no PT porque criou problemas "para cima" com sua exorbitância calcada na certeza - explícita na gravação dos preparativos da invasão - de que "conosco ninguém pode".

Passou dos limites, ou "perdeu o juízo" no dizer presidencial, não porque tenha urdido outras invasões, entre as quais a do Ministério da Fazenda, mas porque o fez em ano eleitoral e numa Casa onde as coisas têm repercussão imediata em função da transmissão direta do que se passa por lá nas TVs Câmara e Senado.

Em ambos os episódios, o problema foi muito menos o que seus autores fizeram, até porque não agiram ao arrepio dos superiores, mas o fato de terem feito da maneira errada, numa hora imprópria e na presença de muita gente.

Em nenhum momento se condenaram os princípios da corrupção ou da invasão. No primeiro caso, o governo e o PT recorreram ao argumento da equivalência infratora e transferiram a responsabilidade à estrutura apodrecida da política e à falência moral de tudo e de todos.

No segundo, repudiou-se a "baderna" e pontuou-se a "agressão à democracia" porque a ação ocorreu no Parlamento e não em função de ter sido feita uma invasão. Aquela do Ministério da Fazenda, por exemplo, não mereceu maiores reparos.

Os invadidos, integrantes da equipe presidencial, mal protestaram, adaptaram-se à lógica vigente na ocasião e, no lugar de chamar a polícia para enquadrar os invasores, aceitaram receber uma comissão para "negociar".

O quê mesmo, não se sabe, mas é o que menos importa, pois ali a questão foi o aval à violência. O ato ocorreu em abril. Em novembro, o senhor Bruno Maranhão estava muito bem acomodado e fotografado numa mesa de reuniões com o presidente da República e dois ministros de Estado.

A nenhuma das autoridades ali ocorreu considerar sequer imprópria a presença do líder da invasão de cinco meses antes. Ninguém achou o ato digno de render ao companheiro Bruno um veto às dependências oficiais.

Ele continuou circulando, bem como seguiu sua vida normal o grupo de senhoras que resolveu, em março último, comemorar o Dia Internacional da Mulher destruindo 20 anos de pesquisas em laboratórios privados.

O poder público, como de resto toda a sociedade, sabe bem o que essa gente faz: destrói o que vê pela frente; pertença o obstáculo ao campo moral ou ao terreno físico.

Mas o governo parece não se importar com nada a não ser com os prejuízos ou benefícios eleitorais de toda e qualquer ação. Os amigos do valerioduto estão sendo reabilitados, vários deles com apoio explícito do PT para se reeleger. Os companheiros sem-terra também serão se souberem, como Delúbio, conter seus impulsos nos limites dos interesses da chefia.