Título: Dados de investimentos do governo são inflados
Autor: Ribamar Oliveira e Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2006, Nacional, p. A6

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, utilizou investimentos fantasmas no cálculo que divulgou semana passada sobre os investimentos públicos federais. De 2000 a 2005, o governo cancelou pelo menos R$ 4,24 bilhões em investimentos inscritos nos chamados restos a pagar - R$ 2,87 bilhões nos três primeiros anos da administração Lula. Mas os valores cancelados continuam na estatística de investimento da Fazenda.

Os R$ 4,24 bilhões foram registrados no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), operado pela Secretaria do Tesouro Nacional, como investimentos liquidados, mas não pagos. Pelo entendimento que especialistas em finanças públicas tinham até o início deste ano, isso significava que eles foram realizados e faltava apenas pagá-los. Apesar do cancelamento, o Tesouro não refez os registros no Siafi, mantendo os valores originais de investimentos liquidados em cada ano.

Mantega pode não ter sido informado por sua assessoria de que os dados do Siafi não refletiam os investimentos de fato realizados a cada ano. Foi o Estado que alertou pela primeira vez para isso, em reportagem no início deste ano. A partir dela, especialistas em finanças públicas passaram a questionar o critério de "investimento liquidado" utilizado pelo Tesouro.

Além disso, o Tesouro faz, no fim de cada exercício, a liquidação forçada de todos os empenhos (autorização para o gasto, feita antes da assinatura de contrato). Os valores de liquidação são automaticamente igualados pelo Siafi aos de empenho.

Nota do Tesouro enviada ao Estado não esclarece a base legal para liquidar os empenhos em 31 de dezembro de cada ano. Diz a nota: "Quanto ao processo automático de encerramento do exercício no Siafi, esclarecemos que não há falha nem desvio legal em sua realização. A automação desse processo tem como objetivo a operacionalização consistente, coerente e tempestiva da elaboração e divulgação das informações resultantes das ações dos gestores e executores públicos federais."

Mantega se baseou nas informações do Siafi no relatório inflado que divulgou sobre investimentos do governo Lula para "provar" que tinham sido maiores do que os de FHC.

Não foi o governo Lula que inventou esse cálculo. O Tesouro informa que é usado desde 1986. O Estado verificou ocorrência de liquidação forçada desde 1995, último ano com dados na internet (www.stn.fazenda.gov.br).

De 2000 a 2002, o governo FHC cancelou R$ 1,36 bilhão em investimentos considerados inicialmente liquidados pelo Tesouro. Relatórios anteriores a 2000 não têm restos a pagar cancelados e não é possível saber o valor total nas duas gestões do tucano.

No ano passado, o governo empenhou e liquidou R$ 17,3 bilhões. Desse total, R$ 11,2 bilhões foram liquidados depois de 31 de dezembro, sem confirmação sobre sua realização. Este ano, restos a pagar somam R$ 13,3 bilhões. De janeiro a junho, o governo já cancelou R$ 211 milhões, mas o valor tende a aumentar no segundo semestre.

Pelo menos 11 governos estaduais também estão inflando os números dos investimentos com uma sistemática semelhante à usada pelo governo federal. Os valores de investimentos supostamente executados que aparecem nos relatórios de Estados como São Paulo e Minas e no Distrito Federal são, na realidade, apenas valores de empenho.

Normalmente, parte do investimento empenhado não é concluído no mesmo ano e não pode ser liquidado. Mas na contabilidade dos Estados os empenhos estão sendo integralmente liquidados, independentemente da comprovação de conclusão dos serviços.

Rio, Minas, Pará, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Paraíba camuflam despesas de pessoal: consideram como custeio os valores que vão para aposentados e pensionistas. Amapá, Roraima e Rondônia não publicam na internet relatórios previstos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Para o economista José Roberto Afonso, isso ameaça um pilar da Lei Fiscal, que é a transparência das contas públicas. "Precisamos mais que nunca de uma reforma orçamentária."