Título: Investimento estrangeiro vai cair
Autor: Gustavo Freire
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2006, Economia & Negócios, p. B1

Ao contrário do primeiro semestre do ano, quando o País recebeu uma avalanche de dólares, o segundo semestre será um período de vacas magras, segundo projetam o mercado financeiro e o próprio governo. Seja pelas turbulências no mercado externo, seja pelo processo eleitoral interno, o fato é que os investidores tenderão a ficar mais conservadores e não injetarão tanto dinheiro no País como fizeram nos últimos meses.

O fluxo cambial no mês de junho, que registrou uma fuga de US$ 22,940 bilhões, foi uma amostra do que será o restante do ano. Os analistas, porém, não pintam um cenário tão negro como o de 2002, quando a fuga de capitais do País levou a cotação do real em relação ao dólar para R$ 4,00. A menos que haja uma piora significativa no cenário externo, a tendência é que o fluxo fique ¿empatado¿ no segundo semestre. Ou seja, que o ingresso de dólares pelas vias comercial e financeira fique mais ou menos no mesmo valor das saídas.

Nessa hipótese, a cotação do dólar ficará estável na casa dos R$ 2,20 durante o período eleitoral. Na primeira metade do ano, o Brasil teve um ingresso líquido de US$ 23,130 bilhões. Essa é a diferença, positiva, entre tudo o que entrou e tudo o que saiu de moeda estrangeira do País. O maior fluxo de recursos externos foi assegurado pelos Estados Unidos, na avaliação da economista-chefe da Mellon Global Investments, Solange Srour.

Os juros baixos de lá despertaram nos investidores o apetite por ganhos mais elevados e a opção foi o Brasil. ¿E nós (Brasil) ganhamos com isso¿, admite uma fonte da área econômica do governo. Tanto foi assim que as empresas brasileiras aproveitaram para refinanciar suas dívidas externas.

¿O prêmio de risco pago nessas operações estava muito baixo¿, diz o economista da Consultoria Tendências, Guilherme Loureiro. Resultado: a rolagem dos empréstimos foi três vezes superior à real necessidade de refinanciamento.

¿Estimamos que o setor privado tenha feito operações desse tipo no valor de US$ 30,2 bilhões no primeiro semestre¿, comenta Loureiro. Ele não afasta a possibilidade de os empresários terem se antecipado para evitar as incertezas do período eleitoral brasileiro.

¿Acho que não foi o fator preponderante. Mas a eleição pode ter afetado em alguma medida este movimento¿, diz.

VIRADA

O mercado e o governo trabalham com um cenário menos otimista a partir de agora. O BC estima que, no período, o ingresso líquido de recursos externos deve ficar entre US$ 1 bilhão e US$ 5 bilhões, garantidos, prioritariamente, pela venda de produtos brasileiros no exterior. ¿Numa intensidade menor que a do primeiro semestre, as exportações ainda continuarão a contribuir para a entrada de moeda estrangeira na segunda metade do ano¿, explica uma fonte do governo. No segmento financeiro do mercado de câmbio, no entanto, o BC espera uma saída forte de recursos.

Os economistas do governo projetam uma menor rolagem dos empréstimos externos - não superior a 50% - e menor ingresso de recursos para as bolsas de valores e investimentos em renda fixa. Em junho, essa taxa pode ter recuado para apenas 24%, na avaliação da economista-chefe da Mellon Global Investments.

Os investimentos estrangeiros em ações e em aplicações de renda fixa também tendem a recuar no segundo semestre. ¿Poderemos ter aí um ingresso de até US$ 2 bilhões¿, comenta uma fonte. De janeiro a maio, os investidores estrangeiros injetaram US$ 8 bilhões na bolsa de valores e em renda fixa.

Nesse cenário, a taxa de câmbio não deve ter grandes desvalorizações. ¿A taxa de câmbio deve permanecer em torno dos R$ 2,20 que vimos nos últimos dias¿, afirma o economista-chefe do Banco Banif, Marco Maciel.

A relativa estabilidade da moeda, na opinião do economista da Consultoria Tendências, não deverá ser alterada nem mesmo por uma eventual mudança nas normas cambiais em estudo no governo.

¿Temos de lembrar que o dinheiro do exportador que deixará de entrar no País também não sairá mais¿, afirma Loureiro. Mesmo assim, a cotação na casa dos R$ 2,20 é mais favorável aos exportadores que os R$ 2,05 de 5 de maio deste ano, o mesmo nível observado em março de 2001.