Título: Uma lei perigosa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2006, Notas e Informações, p. A3

A comida brasileira é das mais baratas do mundo, graças à modernização do campo, acelerada nos últimos 20 anos. Continuará a ser, se o governo deixar de atrapalhar e der maior segurança financeira e legal aos produtores, sejam eles grandes, médios ou pequenos. Nos últimos cinco anos, a colheita anual de feijão foi em média de 728,8 quilos por hectare. No período entre 1990-1991 e 1995-1996 essa média foi de 549. O consumo per capita de frango praticamente dobrou entre a primeira metade da última década e a primeira da atual, chegando a cerca de 33 quilos anuais.

Esses números são uma pequena amostra do que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva porá em risco, se cometer mais alguma tolice ao regulamentar a lei de diretrizes para a Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares, aprovada pelo Congresso na quarta-feira.

O projeto, originário da Câmara dos Deputados, seria pouco mais que uma coleção de ingenuidades e platitudes, se não entregasse ao presidente da República, no penúltimo parágrafo, a incumbência de regulamentar a lei "no que for necessário à sua aplicação". Se agir com sensatez, o presidente poderá, na regulamentação, aperfeiçoar o sistema de crédito e seguro para os pequenos produtores. Poderá pensar em programas especiais e mais eficientes de educação e de extensão rural, para incorporar na produção comercial os agricultores menos preparados e menos produtivos. Além disso, será muito cuidadoso ao cuidar de assuntos previdenciários e tributários, para não semear novos problemas fiscais.

Se for guiado por preconceitos e interesses políticos dos inimigos do agronegócio, poderá cair na tentação do assistencialismo e queimar recursos. A pesquisa é incluída, no texto da lei, entre as áreas de ação da Política Nacional de Agricultura Familiar. Já se tentou, nos primeiros dois anos do governo petista, mudar as prioridades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A tentativa foi abandonada, depois da reação de pesquisadores sérios e experientes.

A mudança proposta era apenas ideológica. Foi acompanhada, naturalmente, de uma política de aparelhamento partidário do sistema de pesquisas. Com a nova lei, podem surgir condições para outro assalto.

A tentativa de impor uma nova orientação à Embrapa resultou de uma combinação de ignorância e má-fé. O moderno sistema nacional de pesquisa nunca esteve subordinado ao interesse exclusivo dos grandes produtores. A Embrapa, assim como outros organismos dedicados à tecnologia agropecuária, manteve sempre linhas de trabalho diversificadas, produzindo conhecimentos para grandes, médios e pequenos agricultores e criadores. Esse trabalho foi combinado, nas melhores fases, com ações de apoio financeiro que permitiram, por exemplo, difundir a irrigação e beneficiar grandes e pequenos.

É verdade, como alegam na justificativa os autores do projeto, que os produtores brasileiros são na maior parte familiares. É verdade, também, que a maior parte da oferta de alimentos provém de empreendedores familiares. Mas é necessária uma ressalva: a produção que abastece o mercado interno e permite ampliar a exportação tem dependido basicamente de plantadores e criadores que absorveram tecnologia e modernizaram sua atividade.

Sem essa condição, o rendimento das lavouras de feijão, tipicamente destinadas a suprir o mercado interno, não teria crescido mais de 30% entre a primeira metade dos anos 90 e a primeira da atual década. Na comparação entre os mesmos períodos, a produção anual de milho cresceu cerca de 40%, passando de 2,28 toneladas para 3,2 toneladas por hectare. As médias seriam bem maiores, se os cálculos incluíssem somente as produções plenamente integradas no agronegócio.

Quanto a outras áreas de ação mencionadas na lei, não há por que separá-las da política destinada à agropecuária em geral. É necessário criar e modernizar infra-estrutura para todos os produtores. Não há por que pensar em normas sanitárias especiais para produtores grandes ou pequenos, se o mercado não comporta essa distinção. Se o mercado for desprezado, restará o assistencialismo, com todos os males políticos e sociais que dele decorrem.