Título: Sementes aos porcos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2006, Notas e Informações, p. A3

Mesmo que se admitisse, como hipótese de trabalho, que os integrantes da chamada Via Campesina estão imbuídos de propósitos ecológicos em suas operações de invasão e destruição de centros de pesquisas científicas, no campo da agronomia, suas ligações estreitas com o Movimento dos Sem-Terra (MST), a utilização de seus métodos predatórios, vandálicos, de total desrespeito às leis e à ordem pública são suficientes para desqualificar qualquer empenho cívico com que pretendam revestir suas deletérias badernas, como as que perpetraram em 2003, em Ponta Grossa (PR) contra a Monsanto, ou mais recentemente, em Barra do Ribeiro (RS) contra a Aracruz, ou a invasão, que já dura quatro meses, da estação de pesquisas da multinacional suíça Syngenta, criada na cidade de Santa Tereza (PR) em 1987. Em todos estes casos o que se tem visto é o claro propósito de se colocar um verdadeiro espantalho, para afugentar quem quer que pretenda realizar investimentos científicos, capazes de contribuir para o desenvolvimento do agronegócio no País.

Em 14 de março a Syngenta Seeds, maior empresa no desenvolvimento de sementes e defensivos agrícolas instalada no Brasil - onde fatura US$ 800 milhões por ano -, teve seu centro de pesquisas invadido por mil integrantes da Via Campesina. Cinco dias após a invasão, a empresa obteve na Justiça um mandado de reintegração de posse. O juiz concedeu mais cinco dias para a desocupação pacífica da área. Vencido o prazo, o governador do Paraná, Roberto Requião, deveria ser notificado para determinar a desocupação com força policial. Mas "o juiz levou quase três meses para conseguir entregar a notificação ao governador" - como informou o diretor-geral da empresa, Pedro Rugeroni. A invasão causou perda potencial do trabalho de quatro ou cinco anos, por força da danificação de sementes melhoradas ou em vias de melhoramentos: 7 mil linhagens e 8 mil híbridos guardados cuidadosamente por pesquisadores ao longo dos últimos 20 anos.

A empresa, que programara investimentos no Brasil, este ano, da ordem de US$ 12 milhões, depois de sofrer, com a invasão, prejuízos de cerca de US$ 1,5 milhão - e prejuízo potencial em torno de US$ 50 milhões - informa que "o investimento para o ano que vem, certamente, vai tender a zero". E entende-se perfeitamente a intenção revelada pelo executivo da empresa, de deixar o Paraná, com seu desabafo: "Agora, as sementes plantadas para utilização em pesquisa estão sendo usadas para alimentar porcos e galinhas dos invasores." Como se diz das pérolas, jogam-se sementes aos porcos - e este é o retrato fiel de uma estúpida mentalidade.

Como não poderia deixar de ser, a "defesa" do vandalismo dessa organização chamada "A Via Campesina" - bando internacional de pequenos agricultores europeus cultores da violência e mantidos pelo subsídio - é feita por quem, no Brasil, é coordenador dos dois bandos ("Via" e MST) e com o maior dos cinismos se pronuncia em defesa da lei, alegando que a multinacional suíça "atropelou a lei brasileira que proíbe experimentos com transgênicos em áreas próximas aos parques nacionais, numa faixa de proteção de dez quilômetros chamada de zona de amortecimento". A empresa desmente enfaticamente qualquer desrespeito às leis vigentes e alega que o trabalho em seu centro de pesquisas tem autorização do Ibama e demais agências do meio ambiente. É claro que caminhos há para se chegar à cobrança do pleno cumprimento da lei - mas uma aberrante contradição seria admitir que esse caminho fosse o da pura ilegalidade. As organizações sérias, realmente preocupadas com a defesa do ecossistema, sabem como realizar mobilizações legítimas e legais em favor do meio ambiente.

Por sobre tudo o que significa de insegurança para a atividade produtiva, quando deixam de ser observadas garantias fundamentais para o exercício da atividade econômica - inclusive o direito constitucional à propriedade -, é preciso ressaltar o quanto essa insegurança jurídica é capaz de espantar os que pretendem investir no mercado brasileiro, por acreditarem no seu potencial. A crença nesse potencial persiste, mas a dúvida é quanto à nossa capacidade institucional de assegurar seu livre desenvolvimento.