Título: Calderón terá de provar capacidade
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2006, Internacional, p. A18

Diplomata aposentado, ex-vice-chanceler no governo do presidente Carlos Salinas de Gortari e ex-embaixador do México em Londres e junto às organizações multilaterais em Genebra, Andrés Rozental é nome cotado para alta função na administração do vencedor da eleição presidencial mexicana, Felipe Calderón. Homem afável, é também um agudo e às vezes cáustico crítico das realidades do México e das relações do país com o restante do mundo. Rozental preside o Conselho Mexicano de Assuntos Internacionais - que criou em 2001 - e se mantém como voz influente nas articulações dos bastidores da política, seja pelos laços que cultivou na carreira diplomática, seja por sua relações de família, que incluem o ex-chanceler Jorge Castañeda, seu irmão mais novo, por parte de mãe. Ele falou ao Estado sobre a tensa situação deixada pela apertadíssima eleição do conservador Calderón, de quem foi conselheiro durante a campanha.

Seis anos depois do fim do regime do Partido Revolucionário Institucional, a eleição revelou um México dividido, que enfrenta agora o risco de um candidato presidencial não aceitar a derrota.

Estamos vivendo um teste importante para a democracia e as instituições políticas mexicanas. Até agora, fomos aprovados. Apesar dos ataques, das acusações e das desconfianças levantadas sobre as instituições, há um sentimento generalizado no país de que elas funcionaram. Houve falhas de comunicação do Instituto Federal Eleitoral, mas tivemos eleições bem organizadas e limpas. As dúvidas serão resolvidas pelo tribunal eleitoral, como prevê a lei.

A confiança nas instituições não é ameaçada pela decisão de López Obrador de impugnar as eleições?

Tivemos impugnações em outras eleições. Todas foram resolvidas pelo tribunal e as decisões, que são inapeláveis, foram aceitas. O que preocupa é que quando se perguntou ao sr. López Obrador, na primeira entrevista que concedeu depois que ficou claro que Felipe Calderón ganharia a contagem oficial dos votos, se ele acataria a decisão do tribunal, sua resposta foi "veremos". Isso é lamentável e demonstra o tipo de pessoa que ele é. O que ele parece estar dizendo é que se a decisão não lhe for favorável, se não se abrirem todas as urnas e não se recontarem todos os votos, ele se reserva o direito de não aceitar os resultados. Mas lei é clara e prevê que as urnas podem ser abertas apenas em três casos: se há discrepâncias nas somas, se há sinais de adulteração das atas ou se elas não estiverem presentes. A lei não prevê uma nova apuração de todos os votos.

O que pode acontecer se López Obrador recusar-se a aceitar uma resposta negativa do tribunal?

É isso que estamos tratando neste momento de elucidar. Para quem está vendo isso de fora do Partido da Revolução Democrática (PRD), está muito claro que López Obrador decepcionou muita gente. As pessoas acreditaram que, diante da inevitabilidade da vitória de Calderón, ele diria que aceitaria os resultados, como afirmara anteriormente. Por isso, depois daquela entrevista, ele passou a ser muito criticado pelos apresentadores de rádio, de TV e, entre eles, até por alguns de seus simpatizantes. Quanto à ação legal de impugnar a eleição, é seu direito fazê-lo. Se tivesse ocorrido o contrário e López Obrador tivesse ganho, imagino que Felipe Calderón também impugnaria. Está previsto na lei. Pode ser que o tribunal acate algumas de suas reclamações e ordene a recontagem de algumas urnas onde possa ter havido anomalia. Mas, nos últimos 12 anos, todas as vezes que foi chamado a se pronunciar o tribunal confirmou a contagem oficial.

López Obrador tentaria ganhar nas ruas o que não conseguiu ganhar nas urnas?

O clima lhe é adverso para isso. Haverá sempre simpatizantes, gente do núcleo duro do PRD e alguns líderes de sindicatos que talvez fiquem felizes. Mas não creio que a opinião pública aceitaria. Uma pesquisa do Instituto Zogby mostrou que 60% dos mexicanos são contrários a manifestações de protesto contra o resultado das eleições. Se López Obrador tentar fazer isso, haverá uma reação muito negativa e um forte chamado ao exercício da autoridade pelo governo.

Calderón se elegeu com 35% dos votos e pouco mais de 20% dos eleitores registrados. A campanha expôs as divisões de classe no país e envenenou o ambiente político. Como ele poderá governar?

É uma situação muito difícil, que requererá um governo de coalizão. Ele já reconheceu isso antes mesmo da votação e começou a fazer gestos de conciliação com todas as forças políticas. Não será fácil.

Analistas como o cientista político Lorenzo Meyer descrevem o México como um país dividido em duas metades opostas que estão politicamente endurecidas...

Você ouve isso mais dos simpatizantes de López Obrador do que dos simpatizantes de Calderón. Calderón já deixou claro que compreende que terá de formar um governo de coalizão nacional para governar. Ele precisa começar, imediatamente, um processo de cura das feridas da campanha, falar com representantes de diferentes focos de poder. E é exatamente isso que começou a fazer, com pessoas do PRD, do PRI. Calderón já reconheceu que, com essa divisão no país e esse resultado eleitoral tão estreito, não tem um mandato para governar e levar adiante uma agenda. Precisa somar, buscar gente em todos os partidos que esteja disposta a pôr o interesse nacional em primeiro lugar. Há gente disposta a cooperar no PRI, que precisa ser refundado para manter sua relevância, e no próprio PRD, como o governador de Michuacan, Lázaro Cárdenas, filho do fundador do PRD, Cuauhtémoc Cárdenas.

Calderón tem capacidade política para montar um governo de coalizão viável?

Ele tem a vontade. Se tem a capacidade, veremos depois. Suas declarações deixam claro que ele compreende que é preciso pôr de lado todas as más palavras, todos os ataques, e começar a pensar no que vai fazer no governo. Terá de governar por 6 anos. E os primeiros cem dias serão cruciais.

Como será a política externa do México sob Calderón?

Creio que não será muito diferente da que Vicente Fox iniciou em 2000 com seu primeiro chanceler, Jorge Castañeda. Calderón tem uma relação próxima com Castañeda. Os dois conversaram muito sobre vários temas, como direitos humanos, fortalecimento da democracia e de instituições como a Organização dos Estados Americanos. Creio que ele fará um esforço imediato para consertar algumas relações com a América Latina que foram prejudicadas, às vezes por falta de boa química pessoal entre os líderes, como é o caso da Venezuela e da Argentina.

E com o Brasil?

Perguntaram-lhe a que país fará sua primeira visita e ele disse que espera ir primeiro a um país da América Latina. Sugeri que começasse pelo Brasil. Trabalho há muitos anos para que os dois países tenham uma relação mais próxima, de liderança no hemisfério e no mundo em desenvolvimento. Creio que o problema está no fato de que o Itamaraty não gosta dessa idéia. Os presidentes parecem mais dispostos a uma aproximação, mas a idéia sempre naufraga nas chancelarias no Brasil e no México. Lula vai se reeleger, Calderón tem seis anos pela frente. Temos uma oportunidade para estabelecer uma relação importante.