Título: López Obrador quer o povo na rua
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2006, Internacional, p. A18

Com a respiração em suspenso e sob forte tensão, o México preparou-se para a "assembléia informativa" que o líder esquerdista Andrés Manuel López Obrador, o perdedor da dramática eleição presidencial do domingo passado, convocou para ontem à noite no Zócalo, a histórica praça central da Cidade do México. Ele queria apresentar suas razões para impugnar a votação e também pressionar pela anulação do pleito, ganho por seu rival conservador Felipe Calderón por apenas 0,58 ponto em mais de 41 milhões de votos.

Da capacidade de López Obrador de controlar a massa, organizar protestos pacíficos e agir pela via institucional, como prometeu, dependem não só suas chances de ser atendido, ainda que só parcialmente, pelo Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário da Federação, que examinará o pedido de impugnação e as provas apresentadas.

Está em jogo, também, a manutenção da paz social num país onde, segundo o cientista político Lorenzo Meyer, "a campanha eleitoral expôs as divisões sociais, mostrou que há dois Méxicos e deixou feridas profundas, que levarão tempo para cicatrizar". Ciente de que sua vitória não lhe permitirá governar, a menos que consiga montar uma ampla coalizão, Calderón adotou o discurso da conciliação nacional. "Quero somar. Reconheço que a força da república está na pluralidade", afirmou. "Iniciarei o mais breve possível um diálogo com todas as forças para definir um programa de governo comum, que responda ao interesse da maioria dos mexicanos."

Ana María Salazar, colunista do jornal El Universal, escreveu: "O México vive momentos dos mais difíceis e enfrenta o pior cenário para sua democracia nascente." O escritor Raúl Cremoux, simpatizante do líder esquerdista, refletiu, num artigo no mesmo jornal, o temor pelo que pode ocorrer. "Pense bem, AMLO", pediu ele, usando as iniciais do nome de López Obrador. "Bem faria AMLO em analisar o muito que seu partido ganhou em número de deputados, senadores, e o pouco que faltou para a presidência."

Outro simpatizante, o professor Ricardo Raphael, do Instituto de Tecnologia e Estudos Superiores de Monterrey, exortou o líder esquerdista a preservar sua relevância na política usando um triunfo conquistado na eleição. "López Obrador converteu-se no político com maior credibilidade para defender a justiça social e arrebatou do PRI sua mais valiosa bandeira", disse Raphael, aludindo ao Partido Revolucionário Institucional, que monopolizou o poder por sete décadas e saiu humilhado destas eleições, reduzido a terceira força do país.

Tanto para os adeptos como os críticos de López Obrador, trata-se de saber quando e como ele aceitará a derrota. "O plano de López Obrador parece ser inflar qualquer irregularidade a um nível de grande questionamento, provar, se não for favorecido (pela decisão do tribunal), que foi vítima de um complô e lutar nas ruas pela anulação da eleição", disse Enrique Canales, colunista do jornal Reforma.