Título: Kirchner, o presidente-monarca
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2006, Internacional, p. A20

"Quem ao lado traz dinheiro, é formoso mesmo que seja feio." O verso, do grande poeta do século de ouro espanhol, Francisco de Quevedo, resume como Néstor Kirchner conseguiu tornar-se o presidente civil mais poderoso da história da Argentina. Utilizando o amplo superávit fiscal obtido graças ao calote da dívida e os elevados impostos sobre as exportações de commodities para distribuir verbas para os falidos governadores e prefeitos, Kirchner calou os opositores e fez com que as forças políticas "esquecessem" que havia chegado ao poder com apenas 22% dos votos (a menor proporção em 200 anos de vida republicana argentina).

Levado por uma ambição que só seus conterrâneos da província de Santa Cruz conheciam, Kirchner superou em poder Juan Domingo Perón e Carlos Menem.

Esta semana, seu poder deve aumentar em duas frentes. Kirchner poderá prescindir do Congresso ainda mais. Até sexta-feira, a Câmara deverá aprovar uma regulamentação que limita a possibilidade dos parlamentares derrubarem os decretos presidenciais. Está prevista para o meio da semana a votação na Câmara da lei de "superpoderes", que permitirá ao executivo alterar o orçamento indefinidamente. Esses poderes existem desde a crise de 2001, mas a cada ano precisavam ser renovados pelo Congresso. Se vencer essa semana, Kirchner irá torná-los permanentes.

Hoje, o quadro já é favorável ao presidente. Os rivais calaram-se ou foram seduzidos. Perante uma oposição fraca e dividida, Kirchner avançou sem resistências sobre as instituições. Comanda a Justiça e o Congresso, conta com a obediência de 22 dos 24 governadores (alguns dos quais são da oposição), tem forte influência sobre a mídia, enquadrou o rebelde movimento dos piqueteiros, atacou os militares e - por meio de uma peculiar alternância de ameaças e benesses - mantém a maior parte do empresariado calado.

A centralização do poder ocorre na própria Casa Rosada, onde Kirchner jamais realizou uma reunião de gabinete, pois prefere encontrar-se sozinho com cada ministro. No gabinete tampouco há lugar para "estrelas". A única, o ex-ministro da Economia, Roberto Lavagna, foi demitida quando deu sinais de autonomia.

Até para sucedê-lo, Kirchner só confia na família. Caso não seja ele próprio candidato à reeleição, colocará sua esposa, a primeira-dama e senadora Cristina Fernández de Kirchner como candidata presidencial nas eleições de 2007. Sergio Berenzstein, do Departamento de Política da Universidade Di Tella, critica a forma de Kirchner governar por meio de decretos e poderes especiais: "é uma mostra de desprezo pela qualidade institucional".

As poucas vozes da oposição que o criticam, afirmam: "Kirchner transforma-se em um presidente-monarca".