Título: Médico do INSS, uma profissão de risco
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2006, Vida&, p. A28

Uma pesquisa recém-concluída mostra que quase todos os médicos peritos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), 93%, já foram insultados durante o trabalho. E que 26% foram vítimas de algum tipo de agressão física.

Como os números sugerem, o ofício passa longe do trabalho de um profissional de saúde típico. Os médicos do INSS diariamente examinam pessoas doentes, mas a preocupação não é curá-las.

A tarefa é conceder - ou não - o auxílio-doença, espécie de salário temporário pago pelo governo enquanto a pessoa não pode trabalhar por causa de algum problema de saúde, como um pé quebrado ou uma doença no coração. Física ou verbal, a violência explode quando o benefício não é concedido - em 20% das perícias.

Em Duque de Caxias (RJ), no mês passado, uma mulher foi presa no posto do INSS depois de atacar uma médica. Segundo o boletim de ocorrência, a segurada já havia tido o benefício negado por dois peritos. Ao ouvir a terceira negativa, trancou-se no consultório e tentou estrangular a médica. Os funcionários tiveram de arrombar a porta para salvá-la.

"Logo vamos ter uma morte", preocupa-se o presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP), Eduardo Rodrigues de Almeida. O temor fica maior quando se considera que a onda de violência só tem avançado.

Para a pesquisa sobre as agressões, a ANMP ouviu 550 dos 3.500 médicos peritos do País. Dos 166 casos relatados, 11 ocorreram em 2004 e 36 foram em 2005. Só nos primeiros cinco meses deste ano, já foram 57 - o que não é nada desprezível num universo de 550 peritos.

No INSS, a relação é entre perito e segurado, não médico e paciente. A diferença vai muito além da semântica. Enquanto numa clínica o médico não duvida quando o paciente diz ter uma dor nas costas, no posto da Previdência Social o perito não deve crer em tudo o que ouve. A relação não é de confiança. "Todos que vão ao INSS têm o objetivo de conseguir o benefício. Muitos tentam obtê-lo com laudos médicos falsos, doenças que não existem", explica Almeida.

Quem alcança o objetivo sai da perícia satisfeito. "O médico pediu que eu me deitasse, examinou a perna. Fui muito bem atendido", disse Nelson Sabô, de 52 anos, que parou de carregar materiais de construção porque o excesso de peso afetou suas pernas.

Minutos depois, da mesma sala, em São Paulo, saiu o segurança Israel Ribeiro, de 36 anos. "O médico me atendeu com má vontade. Nem me deu atenção", queixou-se ele, que pretendia receber o auxílio-doença por causa de uma fratura que sofreu na mão durante o trabalho. "E nem posso reclamar, porque vai dizer que foi desacato a autoridade."

DESABAFO E DEMISSÃO

Nem todos os segurados frustrados reagem assim. O Estado teve acesso a uma página fechada criada pelos peritos na internet. Nela, fazem seus desabafos. "Fiquei encurralada. Ele jogava em minha cabeça tudo que encontrava. Aos berros, dizia ser incapaz e doido", diz uma médica de São Paulo. "Agora de manhã uma colega sofreu ameaça com arma de fogo dentro do consultório", conta um perito de Minas.

"Só me restam três opções: pedir demissão, pois acho que a situação não mudará; ser omisso e conceder benefícios a todos que me olharem de cara feia; ou comprar briga, isto é, ir à Justiça, pedir escolta e denunciar a omissão da gerência, mas não sei se vale a pena", desabafa um médico do Rio. Uma colega de São Paulo escolheu a primeira opção: "Considero essa fase profissional um grande equívoco que cometi. O medo de uma injúria física me provocou sérios danos à saúde. Relembrar tudo isso me causa um mal-estar muito grande".

As agressões verbais podem ser igualmente explícitas, com ameaças e xingamentos. Mas também podem ser sutis. "Houve casos em que cancelei o benefício e a mulher me disse: 'Doutor, do que vou viver agora?'. Aos prantos. Coação moral também agride", afirma Samir Salmen, que trabalha em Botucatu (SP).

Os peritos crêem que a explosão da violência tenha relação com o fim das perícias terceirizadas. Até fevereiro, médicos particulares atendiam em seus próprios consultórios e recebiam do INSS por perícia. De olho no dinheiro, alguns concediam ou mantinham benefícios indevidos para garantir um novo exame mais adiante. Agora só trabalham médicos concursados.

Com isso, a concessão do auxílio-doença - que havia saltado de 569 mil em 2000 para 1,6 milhão em 2005 - começou a cair. "Dizem que a Previdência endureceu. Não é isso. O sistema precisa se moralizar, senão quebra. Não é muro para as pessoas 'se encostarem'", afirma Salmen.

PEDIDO DE SEGURANÇA

Representantes dos peritos se reuniram há um mês com o ministro da Previdência Social, Nelson Machado, e com o presidente do INSS, Valdir Moysés Simão, para pedir segurança no trabalho. Querem, por exemplo, que o resultado da perícia deixe de ser entregue pelo médico e isso passe a ser feito por um funcionário fora do consultório, que a Polícia Federal seja mais atuante diante das denúncias de agressão e que as agências tenham mais seguranças. Também pediram uma campanha para explicar à população o que são a perícia e o auxílio-doença. O governo ficou de estudar os pedidos.

Diante de condições tão precárias de trabalho, o que leva um médico a se tornar perito do INSS? Eles dizem que o principal é a estabilidade de um emprego público - o salário inicial, sem contar as gratificações, é de R$ 3.400.

O perito Cláudio Ferro, de São Paulo, dá seu motivo particular: "Este local repleto de conflitos é um convite para encontrar as soluções. São conflitos que nos estimulam."