Título: Excludente ou includente?
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2006, Economia & Negócios, p. B2

A globalização é um processo excludente. Em vez de resgatar os pobres da situação em que estão, contribui para ampliação da pobreza.

Esta é uma posição corrente nas rodas acadêmicas, em parte porque se tornou "politicamente correto" sustentar que "o modelo hegemônico" de produção e distribuição de riquezas aumenta mais a pobreza mundial.

O professor Xavier Sala-i-Martin, da Universidade de Columbia (Nova York), reúne informações e análises que, no mínimo, colocam em dúvida a afirmação de que a globalização seja esse criatório de pobreza.

Ele reuniu e processou as informações oficiais disponíveis e publicou suas conclusões num estudo intitulado The World Distribution of Income: falling poverty and convergence (disponível no site www.columbia.edu/xs23/home.html).

Um dos primeiros problemas com os quais esbarram estudos desse tipo é a definição do que seja pobreza. A afirmação de que pobre é aquele que não tem meios físicos mínimos de sobrevivência é quase tautológica. Há os que entendem que pobre é aquele que não tem acesso ao mínimo de calorias para sua subsistência. Outros preferem dar a isso um valor monetário.

O Banco Mundial, organismo internacional criado em 1944, em dobradinha com o Fundo Monetário Internacional, tem por função promover o desenvolvimento dos países pobres. Para definir o que é uma pessoa pobre, adotou um critério que tem alguma dose de arbitrariedade, mas que se tornou referência em todos os estudos do gênero: pobre é quem não consegue uma renda pessoal de ao menos 1 ou 2 dólares por dia.

Alguns estudiosos adotaram a média entre esses valores e ficaram com 1,5 dólar por dia. Mas especialistas mais radicais (ou mais exigentes) adotaram um número mais alto. O professor Lant Prichett, por exemplo, definiu que pobre é aquele que ganha menos de 15 dólares por dia. Em todo o caso, o critério do Banco Mundial é o mais aceito.

Sala-i-Martin observa que a questão é relevante até quando se toma o valor de 1 dólar por dia ao longo do tempo, porque o dólar também enfrenta a corrosão imposta pela inflação: "Um dólar por dia no ano 2000 correspondia a 340 dólares por ano e em 1985 equivalia a 495 dólares por ano." É fácil entender que a diferença entre a população que vive com menos de 340 dólares por ano e a que vive com menos de 495 dólares se conta no mundo em centenas de milhões.

À parte essas questões metodológicas, Sala-i-Martin concluiu que, entre 1970 e 2000, a pobreza no mundo se reduziu significativamente não só quando comparada à população mundial, mas também quando tomada em valores absolutos. Dependendo do conceito de pobreza adotado (os tais 1 ou 2 dólares diários), o número de pobres no mundo caiu entre 212 milhões e 428 milhões de pessoas.

Essa não foi uma redução uniforme, observa ele. Enquanto a pobreza caiu significativamente na Ásia, especialmente com o crescimento econômico da China e da Índia, ela aumentou na África ao sul do Saara. Nos anos 70, nada menos que 80,2% da pobreza se concentrava na Ásia. No ano 2000, os números se inverteram: 74,5% da pobreza passou a concentrar-se na África.

No período a que se ateve o estudo, a China resgatou 251 milhões de pessoas que estavam abaixo da linha de pobreza. A Índia resgatou 145 milhões.

Como China e Índia continuam dando show de crescimento econômico, esses números só podem ter aumentado nos últimos cinco anos.

Convém relembrar que redução da pobreza, no mundo ou em parte dele, não é o mesmo que melhora de distribuição de renda. Na China há hoje menos pobres do que há 35 anos, mas a distribuição de renda piorou porque a distância entre pobres e ricos aumentou. O exemplo oposto é o de Cuba, que tem uma quase perfeita distribuição de renda, mas, em compensação, o país inteiro só empobreceu.

Talvez seja precipitado concluir a partir daí que, ao contrário do que vêm afirmando os politicamente corretos, a globalização tenda mais à inclusão das populações pobres no processo de criação e distribuição de riqueza do que à exclusão. Mas dá para desconfiar que, apesar das maldades inerentes ao sistema capitalista global, o número de pobres está mesmo baixando e que mais estudos têm de aprofundar as análises.