Título: As duas faces da privatização da telefonia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2006, Economia & Negócios, p. B10

As tarifas de telefonia fixa serão reduzidas, por decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O percentual (entre 0,37% e 0,50%) parece ridiculamente baixo, mas é a primeira vez que isso acontece. A redução decorre da simples aplicação das regras atuais de reajuste dos preços dos serviços, baseadas nos indicadores previstos nos contratos de concessão.

A redução das tarifas poderia até ser maior se o governo não tivesse mudado o critério em vigor até o ano passado, ao substituir o Índice Geral de Preços (IGP-DI) por um exclusivo do setor, o Índice de Serviços de Telecomunicações (IST).

As tarifas de telefonia fixa mostram a face perversa da privatização no Brasil. Ao longo dos 8 anos decorridos da venda da Telebrás - ocorrida em 29 de julho de 1998 - a assinatura básica subiu 117%, segundo a Anatel. Por que um porcentual tão alto? Na verdade, boa parcela desse aumento decorreu da eliminação dos subsídios cruzados praticados na fase estatal por mais de duas décadas, especialmente de 1972 a 1994. Naquela época, os governos adotavam a filosofia dos subsídios cruzados: aviltavam sistematicamente o valor das tarifas locais (que eram usadas no cálculo dos índices de inflação) e, em compensação, elevavam ao máximo as tarifas de longa distância.

Com reajustes corroídos pela inflação durante mais de 20 anos, o valor da assinatura básica mensal foi caindo continuamente, de modo que, em 1995, estava reduzido ao ridículo R$ 0,61. Sim, leitor, 61 centavos, aí incluídos todos os impostos. Em contrapartida, para compensar a queda de receita, o governo autorizava aumentos sempre superiores à inflação nas ligações de longa distância. Exemplo: o minuto de uma chamada internacional São Paulo-Nova York chegou a custar US$ 2,40 (hoje pagamos menos de US$ 0,24, ou seja, um décimo daquele preço).

Se considerarmos o período 1995-2005, entretanto, a assinatura básica aumentou muito mais que 117%, pois a eliminação dos subsídios, iniciada pelo ex-ministro Sérgio Motta e continuada depois dele, elevou o valor da assinatura básica residencial de R$ 0,61 para os atuais R$ 38,13 (um aumento de 6.250%).

Convenhamos, é demais, mesmo considerando o longo período de 11 anos. Mas o governo agravou o problema com impostos equivalentes a mais de um terço do valor dos serviços. Se esses tributos fossem reduzidos à metade, a assinatura básica já cairia para cerca de R$ 28.

A eliminação dos subsídios era uma necessidade, especialmente para atrair o interesse de investidores no processo de privatização da Telebrás. Mas houve exagero na dose. Esperava-se, também, que, à medida que a competição crescesse, o próprio mercado reduzisse os preços dos serviços, dispensando até o controle de preços pela Anatel. Mas a competição não veio. As três grandes concessionárias (Telefônica, Telemar e Brasil Telecom) ainda detêm mais de 95% de participação do mercado de telefonia fixa em suas áreas de atuação.

A melhor estratégia para baixar e controlar preços é a concorrência, como tem acontecido, aliás, com os preços de gasolina e álcool, que flutuam livremente. A grande diferença é que, em telecomunicações, é muito mais difícil implementar a competição. Assim acontece em todo o mundo. Só em dois segmentos das telecomunicações o Brasil tem tido sucesso: em serviços de longa distância, em que mais de 20 operadoras disputam o mercado, e na telefonia celular, com a competição de até quatro operadoras por área.

Novas tecnologias, como a de Voz sobre protocolo IP (VoIP), podem forçar a redução de preços na telefonia fixa local e de longa distância, estimulando a entrada de operadoras de pequeno e médio porte, além de serviços virtuais globais, como a Skype, Vonage e outras.

Os preços elevados da assinatura básica, contudo, não devem servir de pretexto político-ideológico para a condenação da privatização como um todo. Pior que os preços da assinatura básica, na telefonia privatizada são os muitos problemas de atendimento do usuário e de qualidade dos serviços. Embora, segundo indicadores da Anatel, esses serviços sejam melhores que os da velha Telebrás, eles ainda irritam boa parcela dos assinantes e são responsáveis por grande número de queixas nos órgãos de defesa do consumidor.

O OUTRO LADO

Dizem os especialistas que o maior preço de um serviço público é não dispor dele. A grande vitória da privatização, desse modo, tem sido a oferta abundante de telefones fixos e celulares. No passado, havia escassez e mercado paralelo de linhas. Com o fim da Telebrás, o Brasil deu um salto extraordinário e quintuplicou sua rede. O maior crescimento, na verdade, ocorreu na telefonia celular, ao passar de 5,2 milhões para 95 milhões de telefones, de julho de 1998 até hoje. Com isso, o porcentual de domicílios com telefone subiu de 32% para 74%, num processo de inclusão que beneficiou milhões de famílias das classes C, D e E.

Apenas esse indicador bastaria para justificar a privatização das telecomunicações no Brasil. Resta-nos enfrentar e eliminar os demais problemas.