Título: 144 passos até o inferno de Itirapina
Autor: Alessandra Pereyra
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2006, Metrópole, p. C1

É preciso atravessar dois portões de ferro, trancados, e vencer a muralha vigiada por homens encapuzados e fortemente armados para chegar a um corredor cumprido. São 144 passos e seis grades para o inferno: 1.250 homens confinados em um pavilhão com 1.200 metros quadrados e 88 celas. A reportagem do Estado teve acesso ao interior da Penitenciária 2 João Batista de Arruda Sampaio, em Itirapina, um dos 20 presídios destruídos na onda de rebeliões que tomou São Paulo.

A rotina no presídio, cuja superlotado teria causado o motim , é tensa. Segundo um agente, todos os dias os presos têm de ser trocados de pavilhão. Isso porque todo dia são achados novos túneis para fuga em massa. Ontem, enquanto a reportagem estava no local, um novo túnel com 6 metros de extensão acabara de ser encontrado pelos servidores - apenas ontem foram três ao todo e mais de uma dezena desde a rebelião. "Cavam um túnel e a gente tem de mudar os presos de pavilhão e tampar o buraco. No dia seguinte, achamos outro e começa tudo de novo", diz o agente.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública, o presídio de Itirapina é, ao lado do de Araraquara (veja abaixo), o mais caótico. As reformas de emergência podem começar na próxima semana, mas os prejuízos chegam a R$ 7 milhões. Os sinais do caos provocado no motim do dia 16 são evidentes. Sem luz, por causa do quebra-quebra, o corredor de acesso é escuro e fétido. As paredes cheiram queimado.

Passa-se por um pavilhão - são três, ao todo - e as salas de atendimento aos presos, agora desativadas. Tudo completamente destruído. Um amontoado de portas de ferro e grades tortas, com pedaços de cano e madeira quebrados, espalhados pela quadra antes destinada ao lazer. Há traves de um gol e de uma cesta de basquete no chão. Por todo lugar, notam-se estilhaços de vidro, partes de TVs e pedaços quebrados de radinhos portáteis, partes de móveis até da cozinha. Tudo amontoado, pisoteado. No centro da quadra, só ficaram cinzas.

No pavilhão, uma única parede em pé, onde se lê com tinta colorida: 'Boas Festas. Feliz Natal'. "Eles estouram tudo. Primeiramente, se juntam em vários grupo e derrubam uma porta de ferro e ela vira a arma para destruir o resto. Cada coisa que vai para o chão vira uma ferramenta para destruir outras", relata um agente penitenciário.

A proximidade com o pavilhão onde estão confinados os detentos assusta. O som das vozes aumenta a cada passo e, ao chegar à grade que divide o corredor dos detentos, se vê um formigueiro humano.

No momento em que a reportagem entrou no local, eles se preparavam para dormir. Desenrolavam colchões, enrolados durante o dia. Não havia sinais de feridos. A cela onde estão 21 presos no seguro foi conservada. As condições mínimas estão sendo mantidas, como alimentação com três refeições diárias, e o atendimento médico. Isso, graças ao esforço dos funcionários, mesmo amedrontados com a possibilidade de nova rebelião.