Título: Preso se queixa de descaso com doentes na cadeia
Autor: Alessandra Pereyra
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2006, Metrópole, p. C1

¿Lá dentro é o maior sofrimento¿, diz o ex-detento Fernando Ribeiro, de 19 anos, que estava entre os 107 feridos levados, anteontem, para uma ala vizinha ao pátio onde estão ainda confinados 1.300 presos no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Araraquara, anexo encravado na penitenciária da cidade. Ele foi libertado graças a um alvará e teve de ser içado do pátio, que tem a porta soldada, para poder deixar o presídio.

Com uma corda amarrada à cintura, diz ter sido puxado a uma altura de, pelo menos, 3 metros até um buraco, uma espécie de janela, por onde os agentes penitenciários têm mantido contato com os presos. Por ali também são entregues comida, roupas e cobertores.

Ele diz que ainda há muitos feridos, ¿gente sangrando¿ e só um médico teria cuidado dos mais de cem doentes, deixados ao relento no pátio, sem atendimento durante toda a madrugada. Parentes dizem ter ouvido gritos dos presos à noite.

Segundo Fernando, a comida é pouca - os pães não foram entregues porque a massa estragou. Faltam itens básicos, como papel higiênico, não há colchões e a luz não foi religada. Ontem, parentes entregaram remédios no CDP, mas as cartas continuaram barradas. Funcionários informaram que duas caixas com correspondências foram entregues sexta-feira.

Com ferimentos no olho, lateral da cabeça e braço, provocados, segundo ele, por tiros de borracha da Tropa de Choque, na rebelião do dia 16, Fernando foi retirado com outros doentes e feridos da ala onde estavam todos os presos por volta de 13 horas de sexta-feira.

A porta do pátio, que havia sido soldada, foi serrada por policiais para passarem esses presos para a ala vizinha, onde receberiam atendimento médico. Após a transferência, as portas das duas alas foram soldadas.

Por volta de 16 horas, ele foi avisado de que seria libertado e içado até o local onde estão os agentes. Ele afirma que teve de sair do presídio escondido em uma perua do sistema penitenciário, para não ser visto por jornalistas. Foi levado até sua casa e teria sido avisado para não dar entrevistas. Segundo ele, outros três doentes em estado grave, dois deles em cadeiras de rodas, também foram içados e levados para outra prisão.

Detido há seis meses por tráfico, Fernando participou da rebelião em que a prisão foi destruída, causando o confinamento. ¿Quebramos tudo porque aqui nossos direitos não são respeitados. O diretor (do presídio de Araraquara, Roberto Medina) negava benefícios aos irmãos e ficamos em celas lotadas, 15 em cada uma¿, disse. ¿Ele falou: quer quebrar, quebra, mas o prejuízo é de vocês.¿

A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou que Medina nega ter transferido doentes para outras cadeias. Segundo a SAP, os 117 presos foram socorridos anteontem. Medina não atendeu ao pedido de entrevista do Estado.

CELULAR

Por um celular que está dentro do CDP e pelo qual os presos mantêm contato com as famílias fora do presídio, um detento que, se identificou como Pedro, disse que os colegas transferidos para a outra ala gritaram a noite toda, pedindo para voltar para junto dos outros presos.

Lá, segundo o preso, o ex-cirurgião Hosmany Ramos, preso por homicídio, cuidava dos colegas. ¿Agora estão largados.¿ Sobre a morte dos agentes, disse que os presos não têm informação. ¿Nosso problema não é com eles, mas com o diretor, a superlotação e execuções penais não cumpridas.¿

A SAP não se pronunciou sobre o uso do celular na cadeia, informando que a situação da prisão irá se normalizar conforme as unidades forem reformadas. O Estado conversou, por telefone, com um agente que há 25 anos trabalha em Araraquara. Ele pediu anonimato. ¿Estamos sendo caçados como tatu na toca.¿ E informou que os agentes têm medo de entrar onde os presos estão. ¿Todos sofrem com a situação, nós, presos e parentes. Mas nós estamos sendo destruídos.¿