Título: Câmbio em marcha à ré
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/07/2006, Notas e Informações, p. A3

A reforma cambial prometida pelo governo deve sair neste mês, segundo o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Furlan. Há algumas semanas, a notícia seria recebida com otimismo, mas hoje causa preocupação. Simplificação do sistema e redução de custos seriam as principais vantagens da mudança, de acordo com a apresentação inicial da idéia. Com as novas informações postas em circulação recentemente, já se justifica o temor de um retrocesso na concepção do regime de câmbio.

Embora haja motivos suficientes para inquietação, uma ressalva é necessária. Ainda não foi divulgada uma formulação completa do novo sistema. Portanto qualquer avaliação é baseada em dados parciais. O texto da reforma só estará pronto dentro de umas duas semanas, de acordo com o ministro Furlan. Logo, até lá se poderá refinar a proposta e haverá tempo, ainda, para o governo reconsiderar todos os pontos cuidadosamente.

Segundo as primeiras informações, o governo deveria propor, como principal mudança, o fim da cobertura cambial obrigatória. Os exportadores seriam dispensados de vender no Brasil, num prazo determinado, a moeda estrangeira conseguida com suas vendas.

Poderiam manter o dinheiro no exterior, segundo sua conveniência, com liberdade para usá-lo no pagamento de suas importações e de outros compromissos externos. As autoridades pareciam dispostas a acatar, no essencial, sugestões apresentadas por entidades de representação da indústria.

Essa mudança daria racionalidade às operações de comércio exterior, diminuindo a burocracia, simplificando procedimentos e eliminando custos de intermediação financeira.

A manutenção dos dólares em contas no exterior poderia até facilitar um novo ajuste do câmbio. Com menor oferta de dólares no mercado interno, a tendência de valorização do real seria atenuada, com benefício para a exportação e com ganhos de competitividade para o produtor nacional.

Poderia haver algum exagero nessa expectativa. Enquanto os juros continuarem muito mais altos no Brasil que no exterior, muitos detentores de dólares serão estimulados a vendê-los no mercado interno, para obter ganhos financeiros. De toda forma, parte dos empresários poderia aproveitar o fim da cobertura cambial obrigatória para dar maior agilidade a suas operações e ao mesmo tempo torná-las mais baratas.

Mas o ministro da Fazenda, segundo se informou mais tarde, daria preferência a uma reforma cambial mais limitada. As novas facilidades seriam concedidas de forma seletiva, de acordo com o julgamento do Conselho Monetário Nacional (CMN). O fim da cobertura obrigatória só valeria para determinadas empresas ou setores.

Isso eliminaria, para começar, uma das principais vantagens da reforma proposta pelas entidades da indústria.

Em vez de simplificação e desburocratização, haveria, mais uma vez, uma política discriminatória, como já houve tantas vezes no Brasil. Regras diferenciadas não eliminam controles. Apenas mudam sua forma de aplicação.

Seria negado o objetivo da reforma, tal como apresentado pelo ministro Furlan. ¿Nossa lei cambial é de 1937, de um período de escassez de divisas¿, disse ele na Alemanha, na segunda-feira. ¿Precisamos de regras cambiais mais liberalizantes, para dar maior competitividade às exportações.¿

Se a mudança valer apenas para empresas ou setores selecionados, o resultado será semelhante ao velho sistema de câmbio duplo. O abandono desse regime, há anos, foi um dos passos mais importantes para a lenta e ainda incompleta liberalização das normas cambiais brasileiras. ¿Medidas diferenciadas geram situação de desconforto¿, observou o vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), José Augusto de Castro.

Além disso, a mudança poderá criar dificuldades internacionais, com o risco de o novo sistema caracterizar subsídio indireto. ¿Política de câmbio duplo é proibida pela Organização Mundial do Comércio¿, lembrou o dirigente da AEB. Além de ruim na sua operação, o sistema ainda envolveria esse risco. Sobram, portanto, motivos muito claros para o ministro da Fazenda reconsiderar seus planos.