Título: 'Salvaguarda não é salva-vidas'
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/07/2006, Economia & Negócios, p. B8

A China emitiu quatro recados claros a um parceiro estratégico, que não pretende abandonar, por meio do seu novo embaixador no Brasil, Chen Duqing. Primeiro, é preciso mais agressividade do empresariado brasileiro na conquista do mercado chinês. Segundo, o País terá de identificar, em algum momento, os setores industriais que não avançam em termos de produtividade e qualidade e que, portanto, não merecem nenhuma proteção comercial. "Salvaguarda não é salva-vidas. Mesmo com elas, é preciso nadar, senão o tubarão pega", advertiu.

Terceiro, que os investimentos prometidos no Brasil pela Baosteel, maior empresa de siderurgia chinesa, não se efetivaram ainda por razões que competem somente ao governo brasileiro. O quarto recado é que a China tem paciência milenar para aguardar a regulamentação de seu reconhecimento como economia de mercado.

"Na década de 80, a China comprava muita manufatura do Brasil. Agora, produz mais e melhor uma série de produtos. Como podemos pedir para o empresário chinês comprar determinados produtos no Brasil?", disse ao Estado. "O empresário brasileiro precisa ser mais agressivo na China. Precisa conhecer nosso mercado e ver o que interessa ao consumidor chinês. Não pode pensar que o produto brasileiro é o melhor do mundo. Os craques não ganham necessariamente os campeonatos."

Diplomata de carreira, Duqing chegou a Brasília no fim de junho para trabalhar, pela quarta vez, em uma representação chinesa no País. Desta vez, na posição mais alta.

Fluente em português e habituado aos costumes locais, o embaixador circula à vontade nos círculos empresariais, políticos e diplomáticos do País, cujos expoentes conhece bem de suas temporadas anteriores. Essas qualidades já o tornam alvo de uma zelosa observação por autoridades do governo, que não hesitam em apontá-lo como "perigoso".

"Se eu somar todos os anos que vivi no Brasil, posso pedir a cidadania brasileira", brincou Duqing, que entregou suas credenciais de embaixador ao presidente Lula no dia 6.

O novo embaixador chinês terá como missão elevar o patamar das relações bilaterais, que ganharam impulso a partir da década de 90. Em especial, a partir das visitas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China, em maio de 2004, e do presidente Hu Jintao ao Brasil, seis meses depois. Dessas movimentações saíram acordos que, até o momento, são mantidos nas gavetas de Pequim e de Brasília.

O Brasil reconheceu a China como economia de mercado - o que dificultaria a aplicação de medidas antidumping contra produtos chineses. Mas ainda não regulamentou a iniciativa, sob o argumento de esperar antes a abertura do mercado chinês para as carnes brasileiras e a injeção dos investimentos prometidos nos setores de aço e de alumínio.

Segundo Duqing, a Baosteel ainda não conseguiu viabilizar seu investimento conjunto com a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) no Maranhão por causa de uma discordância entre as esferas federal e estadual sobre o impacto ambiental da construção e operação da siderurgia planejada.

Mas, em parceria com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a empresa chinesa iniciou estudos de viabilidade de instalação de outra siderúrgica em Itaguaí, no Rio, e mantém seu projeto comum com a CVRD na área de alumínio, no Pará. "Esse é um sinal claro de que a Bao não perdeu seu interesse nos projetos no Brasil e também de que a China não esfriou sua boa vontade", afirmou Duqing.