Título: 'Quantos o governo vai esperar morrer?'
Autor: Rita Magalhães
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/07/2006, Metrópole, p. C1

"Quantos mais o governo vai esperar morrer: 20, 30?" A mulher de um agente penitenciário da região de Sorocaba se faz a pergunta todo dia, tentando administrar a vida bagunçada pelo medo. Grávida de sete meses, Sandra*, de 35 anos, já foi parar no hospital de tanta tensão. Esperança de vida mais tranqüila, só se o marido mudar de profissão.

Você mudou sua rotina desde os ataques de maio?

A gente fica com medo de sair, não fala com vizinhos no portão. Meu filho pediu para brincar com os amigos na rua e eu não deixei. Há uns dois meses, saio de casa em horários diferentes, levo meus filhos para o colégio em horários diferentes. Eles chegam atrasados na escola e eu, no trabalho.

E a vida em família?

Ah, afetou a vida familiar, conjugal, os filhos, o trabalho. Meu filho disse que o pai estava estranho, nervoso, e eu não pude explicar o que está acontecendo. Na parte sexual, às vezes, meu marido fala: "Amor, eu estou um bagaço, não estou conseguindo me concentrar."

A tensão prejudicou a gravidez?

Tive pressão alta, já fui parar no hospital. Essa noite não dormi. Isso prejudica, né? Você sempre fica achando que tem alguém querendo fazer uma coisa.

Vocês receberam ameaças?

Estão ligando em casa há uma semana, logo depois que meu marido sai. Eu falo "alô", e desligam. Ligaram um dia à noite, meu filho atendeu. Disseram que o pai devia uma multa e precisavam de dados para cadastro. Meu filho não falou. Já alertamos para isso. Não vamos mais atender o telefone. Também veio um cara aqui procurando meu marido, que ele não conhecia.

Seu marido anda armado?

Ele não pode ter porte (a entrevista foi feita antes da portaria federal que autoriza o porte de armas para agentes penitenciários), mas sai armado. E usa colete à prova de balas. Disse para o meu filho responder que o pai vende carros, se perguntarem em que ele trabalha.

Ele sai sozinho?

Sim. Ele alterna o meu carro e o dele. Quando sai da garagem, às 5h30, dá sinal de luz para dizer que está tudo bem. Combinamos que, se isso não acontecer, tenho que chamar a polícia. Depois ele me liga quando chega lá. Estamos assim há uns dois meses.

Ele conhecia algum dos agentes assassinados?

Sim, teve um amigo (Eduardo Rodrigues, morto no dia 1º). Um trabalhador, honesto, fazia bico de pedreiro. Foi levar o radinho para arrumar e pronto. Ele ficou em pânico. Todo dia você vê o jornal e tem um morto. Dá medo de ligar a TV.

Por que ele ainda é agente?

Ele tentou fazer outra coisa, prestou concurso para investigador. Faz faculdade e quer sair dessa vida. Se a situação não melhorar, ele pensa em sair em um ou dois meses. A vida da gente é mais preciosa, né?

* Nome fictício