Título: Política da Terra Sem Lei
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/06/2006, Notas e Informações, p. A3

Se fosse para definir os dois traços mais marcantes da política do governo Lula, no que diz respeito às questões fundiárias do País, diríamos que, primeiro, se estabeleceu a plena mixórdia entre governo, partido (PT) e ditos "movimentos sociais" (MST, MLST e assemelhados), de forma a serem colocados os interesses específicos desses interlocutores bem acima dos interesses da sociedade e, segundo, que o governo sempre busca (quando se sente obrigado a salvar as aparências) descobrir ou inventar pretextos para permitir que a lei seja sistematicamente desrespeitada.

A sociedade ficou perplexa ao saber que Bruno Maranhão, o líder do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) que promoveu os mais desbragados atos de vandalismo contra a Casa dos (bem ou mal) representantes do povo, era membro da Executiva do PT, afora ser petista histórico e amigo fraterno do presidente da República. Mas esse privilegiado status oficial de um fora-da-lei está bem longe de ser caso isolado, num governo que tem preenchido muitos de seus cargos administrativos com militantes dos ditos "movimentos sociais", haja vista para os ocupantes de, pelo menos, 14 das 27 superintendências do Incra, cujo atual presidente, Rolf Hackbart, chegou ao posto por influência direta do seu dileto mentor - João Pedro Stédile - com quem sempre manteve relação de estreita dependência.

É assim que se explica melhor - pela afinidade ideológica e identidade de interesses - a farta distribuição de subsídios oficiais, no atual governo, a organizações sem registro legal, há muito tempo dedicadas ao desrespeito à ordem pública em operações de extrema violência, como invasão de fazendas produtivas, matanças de animais, depredação de sedes, colocação de empregados em cárcere privado, destruição de equipamentos agrícolas, de cercas, de plantações, de laboratórios de pesquisa científica, saques de caminhões, depredação e saques de cabinas de pedágio, ocupação de rodovias, ocupação de próprios da administração pública, respectivas depredações e tudo o mais que o termo vandalismo implica. Mas, como a cumplicidade estabelecida com os fora-da-lei dos ditos "movimentos sociais" poderia demolir, de todo, a autoridade dos governantes perante a opinião pública, certas "explicações" são dadas para justificar a leniência governamental quanto à quebra da ordem pública. Vejamos como isso bem se ilustra.

Justificando o ataque vandálico do MLST à Câmara dos Deputados, Maria Oliveira, a superintendente do Incra em Pernambuco - em cuja sede o líder Bruno Maranhão era visto com freqüência - , foi a primeira a dizer que toda a responsabilidade pelo incidente fora do próprio Congresso Nacional, que se revelara incompetente para lidar com os sem-terra. Justificando o sistemático desrespeito à Medida Provisória do governo Fernando Henrique que proíbe por dois anos a utilização de terra invadida no programa de reforma agrária (o que fizera o número de invasões cair de 592, em 1999, para 163, em 2002), o presidente do Incra referiu-se a uma suposta jurisprudência do Supremo segundo a qual só o "esbulho possessório" impediria essa utilização - e numa interpretação jurídica inovadora, o sr. Hackbart diz que só há esbulho possessório com a interrupção da atividade econômica da fazenda invadida!

Parecem seguir o mesmo espírito de engodo - e agressão à inteligência alheia - os líderes emessetistas que comandam a ocupação da Fazenda Teijin, em Nova Andradina. É que, além de ameaçarem matar (e depois trocarem a ameaça por "soltar na estrada") seus 10 mil bois e depredar suas instalações, emitiram nota negando que haviam transformado em reféns os 28 empregados da fazenda, porquanto estes estavam livres para circular por onde quisessem - não esclarecendo que estavam impedidos de usar cavalo ou qualquer veículo de transporte. Nessa já longa ocupação, feita por mil famílias, com participação direta do próprio Incra - com toda a área da fazenda, de 28.500 hectares, já dividida em lotes e empresas a serviço da instituição nela já rasgando estradas internas - e em claro desrespeito a uma decisão da Justiça Federal, que embargara a desapropriação, até a Polícia Militar foi barrada pelos sem- terra. Que limites restarão, então, para a Política da Terra Sem Lei?